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terça-feira, 19 de abril de 2011

O pátio

Caminhava em passos desajustados, pendendo para as laterais. As calças grandes se prendiam logo abaixo do umbigo por um cinto verde musgo extra grande. A camiseta que folgava no ombros e apertava na barriga, sobrepunha o jeans e ressaltava a fivela prateada. Com pés curvados, usava um tenis com cadarços soltos cor marrom-pisoteado.

Carregava em seus braços livros que escapuliam pelas direções, e de modo desajeitado, segurava pelas rebarbas, caadernos abertos com folhas escapando das espirais. Com as mãos ocupadas, levou o rosto até a palma numa tentativa de ajeitar o aro dourado do óculos que escorregava pelo nariz. Acabou por imprimir as digitais do punho na lente esquerda.

Escalava até o outro lado do pátio da escola, por entre os estudantes, na expectativa de chegar até a sua sala com os livros inteiros. Os cadarços soltos ricocheteavam nas canelas e nas meias cinza escuro. Suor escorria por sua testa, desviando das espinhas e se concentrando na sobrancelha.

Foi quando o viu. O jovem formoso com boné para trás e pés direitos. Rodeado por capangas, tinha seus cadarços presos, e nem uma gota de suor. Com sua mochila quase vazia, usou as mãos livres para arrumas o óculos de sol, riu e gritou: ‘Depressa, Bujão!’.

A voz ecoou pelo pátio e os chapas começaram a rir repetindo: ‘Depressa, Bujão!’, alguns até encrementavam: ‘corre pra ver se emagrece!’

Por um mar de risadas ele se esquivou pela multidão, lutava contra os livros, e também contra as lágrimas, que se misturavam ao suor e camuflavam a humilhação que lhe escorria sob as pálpebras.

domingo, 3 de abril de 2011

A efemeridade do mundo.

A vida é efêmera. Foi o que me disseram. Concordei por algum tempo, mas agora discordo. As pessoas é que são. Nossas ações fazem apologia à efemeridade. A frequência com que desistimos das chances, dos dons, dos objetivos, das pessoas.

Quando criança, fiz aula de violão, parei. Na adolescência, não entendi química, nunca mais tentei aprender. Pratiquei o desleixo, a protelação, o desapego. Quantas amizades, que iriam durar para sempre, acabaram. Não é uma pergunta, é uma afirmação. E a efemeridade não vem só de um, ela inunda o nosso dia a dia e nos acostumamos a viver imersos na filosofia de que a vida é feita de fases, de que quando uma porta se fecha, uma janela se abre.. Culpamos à distância, a rotina, um desentendimento, sempre estamos ocupados demais.

Nossos amores se reciclam. O problema não é o fim. Mas sim a falta de garra com que encaramos nossos problemas, nossas relações. Quantos divórcios são assinados, quantas amizades acabadas por simples preguiça, comodismo, covardia de assumir que estamos do lado errado da discussão, orgulho. Ah o orgulho! Somos todos Ego, somos todos Ísta. Somos preenchidos por um orgulho cego, que inebria nossas ações.

E sempre seguimos, porque afinal estamos vivos e é isso que importa. Tem sempre um copo de cerveja gelada, com gotículas de água condensada escorrendo por fora do vidro, esperando pela gente sexta feira. Porque o que importa é a festa, não a companhia. O que importa é a foto irradiando felicidade, é a imagem que os outros veem da gente, não o que a gente realmente sente.

O vazio, a solidão, isso é coisa de gente deprimida. Mas nós não. Nós somos amados, felizes, não damos a mínima pras coisas que passaram, porque estamos sempre em outra. Vivendo o presente, almejando um futuro que nunca chega. Todo mundo é feliz, todo mundo sabe sambar. Nunca somos derrotados.

É esse pensamento febril, doente que permite a prática da efemeridade, que permite o fim sem nem ao menos tentar. As pessoas tem vergonha de correr atrás, de se redimir, pedir desculpas. Nós somos muito seguros de nós mesmos e nunca cometemos erros. Vivemos a vida, na mais completa inversão de valores e tudo bem. Porque enquanto o coração bater, e o sorriso estiver estampado na foto da balada, nada mais importa. Somos efêmeros.