Quer ler o que?

domingo, 15 de maio de 2011

A cadeira

Sentado na poltrona, observava o tempo que corria pela cadeira da mesa.

De madeira com cascas pulando pelas costas e cheia. Cheia de histórias, de música, de memórias. A cadeira cheirava à saudade e fazia o peito doer. Junto com o peito doía a retina. Não saiam lágrimas, por isso que doía. Sem planos para ir embora, era remanescente e muito bem acomodada. A dor morava ali. Se aconchegara em algum lugar intransponível e só dava a graça de vez em quando, de vez em sempre.

Não era o tipo de dor que impede felicidade, É do tipo que visita, e aí dói a retina. Como já foi dito. Ele estava ali, Ouvindo a música que escapava da cadeira, o som da voz, do batuque, das risadas. Era o tiquetaquear dos anos, o som de vida interrompida pela morte.

As histórias que escorriam pelas pernas roliças de madeira velha, contavam sobre crianças sentadas ao redor de seus pés, estonteadas com as maravilhas que os lábios ali sentados gostavam de narrar.

As mãos, também na cadeira, voavam pelos ares buscando expressões. A história não se continha naquelas paredes, a história transcêndia a casa, a cidade, a terra. Foram vividas em outros tempos. Tempos com mágica, criaturas e parceiros para sempre. Tempos que a cada janeiro, se distanciavam milhares e milhares de anos.

Os lábios se foram, junto com as mãos e com a magia, e naquele canto restou a cadeira, e dentro dela, a saudade.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Taís

Os lábios se distanciavam por um centímetro. Não dois pares de lábios, dois lábios. Nunca vira superior e inferior se tocando. Eles só pairavam num rosto sonolento e desavisado.

Era provavelmente uma condição médica, porque o garoto respirava pelas papilas. Se não fosse doença, não tinha desculpa que justificasse aquele espaço de um dedo no meio da boca.

Até comendo. Ou o garoto engolia de boca aberta ou só quando ninguém estivesse olhando. Não era possível! Pra mastigar, de boca fechada ele não fazia questão. Deviam filmar a boca dele durante uma refeição. Daria pra explicar a digestão do amido de forma dinâmica.

E o garoto da boca aberta tinha um amigo de bochechas grandes. Ela podia jurar que uma mão espalmada não cobriria toda a área de possível contato, a bochecha dele se media em pés. Elas sobrepunham a boca e geravam um visual ‘Emília a procura do visconde’

Perto daquelas bochechas, até o nariz se inibia, os olhos fitavam miúdos e as orelhas se escondiam. Pra complementar, as bochechas eram fora do contexto, pois o menino era magro. Muito magro. O peso da cabeça fazia com que andasse pendulante.

Ao lado dele se sentava uma garota loira de cabelo descolorido e ressecado que era amiga de outra com gengivas que vazam os lábios. A loira namorava um menino narigudo com estômago alto que respirava pelo diafragma como uma criança de cinco anos.

Taís, a observadora, não tinha lábios separados, nem bochechas grandes, nem cabelo ressecado, nem gengivas aparentes, nem assunto.