Quer ler o que?

domingo, 5 de junho de 2011

Meio-dia

Abriu a geladeira e pegou um tomate, cortou-o ao meio, tirou os defeitos e pôs se a picá-lo em cubos pequenos e padrões. Cubos vermelhos com algumas sementes que aparentemente não eram defeitos.

Descascou a cebola, e pôs se a chorar. Não de emoção, de cebola. Lavou os dedos duas vezes, e depois mais uma. O cheiro da cebola entrava na pele e em cinco minutos se tornava dela. A única parte que repugnava na cozinha.

Ela cheirava à tomate, alface, fritura e alho, mas cebola não. Tinha o cabelo preso a um coque que deixava escapar mechas na região dos olhos que se moviam para frente e para trás conforme ela tentava esmagar um alho com a lateral da faca. Ficava mais fácil tirar a casca, e o sabor fluia mais, Ela como sempre gostara de cozinhar, sabia esses truques que mãe ensina durante a vida.

Limpou a mão no avental amarrado na cintura fina, desgrudou um pedaço de salsinha da meia calça e começou a estalar fósforos tentando acender o fogão. Uns escapuliam, outros se quebravam, mas um acendeu. O fascínio era tão grande que depois de acender a terceira boca, ela ficou ali olhando para o palito sendo consumido, até queimar-lhe a ponta dos dedos. Riu com seu devaneio. A cozinha era um sonho.

Panelas a postos, colher na mão e logo o arroz já estava encaminhado, o feijão quase fervendo, a salada organizada e a carne picadinha. O som da cozinha era como uma orquestra, coordenada pela figura magra e bonita que não cheirava à cebola.

Os cheiros de comida pronta saltavam das panelas em direção as narinas que iam se acumulando, primeiro a dela, depois a das crianças e em seguida a do marido, que não era dela. Pegou as panelas que não eram dela, e serviu às crianças que não eram dela, tirou o avental que não era dela, e foi para a sala passar cera no chão. O sonho acabara, e ela cheirava à cebola.