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sexta-feira, 29 de junho de 2012

O céu

Colocou as mãos sob os seios enquanto encarava o teto branco repleto e estrelas de adesivos que brilham no escuro. Tentava controlar a sua respiração, já que na sua vida não controlava mais nada. Sentiu o coração bater. Era o único aspecto que se mantinha compassado. Já era alguma coisa.

O sono não vinha, o cansaço não a abandonava. O corpo doía, a mente também, afinal tirando o romance da biologia, é na cabeça que se sente as coisas.

Seus amigos avisaram: Isso não vai dar certo. Não deu. As coisas fugiram do controle, os sentimentos descarrilharam em uma cruz de Santo André. E os veículos sobre trilhos têm sempre a preferência.

Era feia? Burra? Gorda? Não sabia. As vezes ouvia elogios, e se perguntava quanto e quem teria pago para que fossem ditos. Os amigos e família a contradiziam e repetiam: O problema não é você, é um idiota, ele não te merece. Mas eles eram amigos e familiares, a função deles era achá-la ótima.

Uma das próximas até desenvolveu uma teoria: Você sabe onde está, de onde veio e pra onde vai, isso inibe as pessoas. Era uma boa teoria, mas ela não sabia como mudar essa postura porque realmente sabia, ou achava que sabia essas três coisas.

A taróloga há muito tempo disse que o amor de sua vida ainda iria aparecer, e seria ar-re-ba-ta-dor. Cadê? Falou até em casar na igreja de véu e grinalda. Eu? A Idea até encantou, mas NE sinal. Tarólogos sempre erram. Essa até tinha acertado algumas coisas... pensamentos íntimos que ela nunca disse a ninguém.

Começou a contar as estrelas de plástico no ritmo das batidas. Não sabia se o coração estava acelerado ou se ele era sempre nesse ritmo e ela não tinha percebido. Pelo menos estava viva. Sentimentos não matam. Não literalmente, metaforicamente é outra história.

Vai passar. Esse projeto de profecia foi unânime. Vai? Quando? Não conseguia dormir, precisava escrever. Se levantou da cama em um pulo, vestiu pijamas, ela dorme pelada, subiu os degraus de madeira até o escritório, pegou um sulfite A4, 90 gramas, uma caneta bic e começou:

“Colocou as mãos sob os seios enquanto encarava o teto branco repleto e estrelas de adesivos que brilham no escuro.”

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Independência ou morte

Estava conversando com o meu pai, sobre mais um dos meus questionamentos, e disse: Eu nasci na geração errada, pus me a explicar o porque.

Nós, nascidos pelos arredores dos anos noventa, fomos criados para sermos independentes. Fazemos parte de uma geração de auto-suficientes, que tem à mão todos os tipos de aparelhos e informações. Temos autonomia, temos velocidade, somos uma geração drive-thru, geração de pronta entrega.

Temos carros pré-moldados, e opiniões também.

Somos os pós-reacionários, temos a rebeldia e não achamos a causa. Temos a internet e movimentações políticas cibernéticas. Somos protestantes sentados.

Ganhamos tudo pronto, com manual de instrução em linguagem simplificada. Vivemos de atalhos e Ctrl+C, Ctrl+V. Temos nossos carros parcelados em 48 vezes, computadores em um celular, temos tudo de mão beijada pela eficiência.

Somos a geração do foda-se, do relaxa que depois da certo. A geração dos acomodados que não perdem nada. E, vivemos em uma sociedade em que inteligentes são aqueles que ganham sem esforço, onde o dinheiro vale mais do que o trabalho.

Temos tudo, temos rápido e temos agora.

Não só no material, somos expressos em nossos relacionamentos, aprendemos que quando algo quebra é preciso jogar fora. Inclusive nossos amores.

Somos a geração micareta, a geração não lembro se eu beijei. Nada mais nos prende, nem dinheiro, nem casamento, nem necessidade. Temos tudo ali, e no entanto não temos nada.

Nossos namoros duram quinze dias, as vezes eles nem acontecem. Nossas amizades duram o período letivo, somente a festa dura pra sempre.

Falei por horas sobre isso, sobre essa geração que jogava cobrinha escondido no celular da mãe. Sobre nós que vimos a tela do celular ganhar cor e virar touch, e ele me disse:

- Filha, você está errada. Nessa geração de independência, uma coisa nos prende, e só ela, porque o resto nós conseguimos sozinhos. Sabe o que é?

- Não pai, não sei.

- É a palavra que você tanto evita porque pensa que é clichê.

-O amor?

- É, o amor. Na sua geração, você sabe que quando suas amizades durarem anos, existe amor, quando seu relacionamento perdurar, existe amor, quando alguns objetos forem guardados pela história ou por carinho, existe amor. Filha, vocês serão os primeiros a viver juntos por essência. Os primeiros a se casarem por amor, não por tradição, nem por obrigação ou circunstância.

Parei de transcrever a minha história aqui. Passei três dias relendo o que tinha escrito, e tentando acreditar nas palavras do meu pai. Estou tentando me convencer até agora. Meu pai tem 50 anos, eu tenho 19, ele provavelmente entende mais da vida do que eu. Ele deve ter razão. Eu queria que ele tivesse. Pra saber que em meio a tantas desventuras ainda existe algo. Qualquer algo que não seja só vazio, algo que signifique e que preencha. Um motivo pra tudo isso. Vou esperar 30anos, depois eu analiso.