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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Panamá

Chegou no café e se deparou com duas estátuas de gesso penduradas na parede. Os anjos olhavam em direções opostas, um zelando a porta e todos que por ali entravam, e outro zelando as xícaras fumegantes de todos os clientes.

Uma das paredes, a rosada, era oposta a uma cortina de fios de miçangas e borboletas que cobria uma parede branca.

Se sentou em um banco almofadado, em frente a uma mesa de três pernas e pôs-se a esperar. Se sentou desleixada, apoiando os pés na parte inferior da mesa, e começou a mordiscar os lábios copiosamente.

Algumas pessoas entraram, outras saíram, e inúmeras xícaras de café fumegaram. Divagando em pensamentos, se deu conta que estava em um café. Os cafés eram os berços dos personagens intrigantes, cheios de mistério, era o ponto de partida dos escritores solitários, das inspirações. Foram em cafés desconhecidos que nasceram grandes clássicos, que nasceram amores, que morreram personagens. Naquele café poderiam ter surgido assassinatos, poesias, aventuras. Muitas mágoas podiam ter sido afogadas em uma daquelas xícaras com asa de porcelana. E ela alí, mordiscando os lábios.

Endireitou a coluna, e tentou fazer um olhar profundo, com ar de quem filosofa sobre a vida. Devia ter ido de chapéu panamá. Uma hora depois, e ela ainda estava lá esperando. Já tinha lido os poemas das paredes, analisado os bolinhos do balcão, decorado os sabores de chicletes no baleiro... Seu olhar misterioso já tinha derretido, e ela podia jurar que a flor amarela dentro da garrafa no centro da mesa tinha murchado levemente.

Não tinha tido nenhuma epifania criativa, a coluna já estava torta. Não sabia o porquê. Se levantou, agradeceu a garçonete e saiu apressadamente, como se tivesse tido uma grande idéia ou tomado uma grande decisão. E ela tinha. Iria comprar um chapéu panamá.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Modernismo

Era a terceira. em menos de quatro meses após o término, essa era a terceira namorada. Significava muito. Significava que os erros não eram só dela. Quem estragava três relacionamentos em menos de quatro meses, não podia ser perfeito. Ele dizia que o primeiro foi de raiva do término com ela, e o segundo nunca foi explicado, não que ele devesse explicações, afinal ela que terminara tudo quatro meses antes.

Ela já tinha dito que o término fora um erro, que tinha se arrependido, e ele disse que estava com saudades, que queria conversar. Ficou combinado que conversariam quando ela voltasse pra cidade, pelo menos foi o que ela entendeu, mas em menos de três semanas, ele já estava anunciando publicamente que tinha outra.

Ela era fiel. Era fiel a si mesma, fiel ao que sentia e o que tinha dito sobre querer conversar, querer encontrar, querer ver, tocar, beijar. Ela sempre foi honesta. Só não tinha a certeza de que ele também fora. A terceira foi a gota d'água. Quem é sincero sobre a saudade não arranja outra com tanta eficiência.

Ela tinha uma filosofia, de que se um dia fosse ficar com alguém seria por mútua vontade. Não queria ter que se esforçar incessantemente para provar que estar com ela era o suficiente. Queria alguém que soubesse disso, e que não estivesse sempre a beira de cair em tentação. No entanto, queria que ele soubesse disso. E não outro qualquer.

Não tinha mais conversa, não tinha mais nada a ser dito. Só restava a ser sentido. Arrumou suas coisas e decidiu que voltaria a cidade. Mas minutos antes de avisá-lo que estaria de volta, viu que agora existia a a terceira. Olhou na tela do computador e só conseguia ver que agora tinha mais uma. Sentiu um calor, uma raiva que se espalhava partindo do estômago. Uma raiva não dele, uma auto-depreciação. Como pudera não perceber os sinais que ele sempre emitia de que ela também era mais uma, ela fora a terceira para outra.

Ela não era especial, e tudo aquilo que ela achou que fosse só existiu na impressão. Ele era um homem, como outro qualquer, que procurava alguma qualquer, que não importava se era ela, ou as outras três. Ela fazia parte do montante.

Fazia parte do montante. Do mon-tan-te. A realização disso, fez o vidro se quebrar. A ilusão havia se partido. E por mais que aceitasse, que nada nunca fora tão especial quanto tinha acreditado, tudo que queria era que ele viesse e juntasse os cacos estilhaçados e começasse a colar. Pedaço a pedaço, transformando-os em uma obra de arte. Um picasso, que mesmo torto, e mesmo com rachaduras de tinta, se mostrava completo e pronto para ser exposto, visto e apreciado. Queria pra vida um romance modernista. Queria ser 'A boba'. Sem ser tripudiada. Queria ter um ‘homem amarelo’, com um toque de azul. Queria ser 'Guernica', porque onde existe guerra existe amor. Queria ter arte.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

O vácuo

Minha irmã costuma dizer que tem medo quando eu fico muito tempo em silêncio. Ela diz que queria estar na minha cabeça, pra entender meus pensamentos. Na realidade, tem horas que nem eu queria saber o que eu estou pensando.

Me desliguei do mundo nos últimos dias, me dediquei a assistir séries, desenhar, e pensar em quantas colheres de arroz eu vou comer no almoço. Eu tento fugir de questionamentos, e fico fazendo planos pra alcançar uma meta que até agora só existe na minha cabeça.

Tenho uma lista de coisas que eu preciso fazer, e-mails que eu preciso mandar, projetos que eu preciso escrever. Mas como eu disse, há dias que eu me dedico a colher plantas de coração em um joguinho do facebook.

O fazer nada me deu tempo pra pensar em posicionamentos que eu queria ter, quilos que eu queria perder, livros que eu queria ler e a disposição que eu queria ter pra tudo isso.

Acordei me achando feia esses dias, não saí de casa pra não sujeitar ninguém a minha feiúra psicológica. Minha mãe me diz que eu sou linda, prefiro acreditar nela. Preciso fazer a sobrancelha, e tirar o meu esmalte que começou a descascar. Recusei convites pra sair com meus amigos. O único dia em que eu aceitei sair de casa eu acabei mandando mensagens bêbadas pra um amigo as três da manhã. Tirando esse dia, a única pessoa que me viu recentemente veio até a minha casa.

Quão deprimente é isso? Nem um pouco. Estou adorando me sentir a gata borralheira, e não ter que sair na rua pra não cumprimentar ninguém. Eu provavelmente vá cansar disso daqui 3 ou 4 dias, e a realidade vai bater à minha porta. Mas até lá, eu estou feliz com uma mente vazia. E posso assegurar a minha irmã que não tem nada aqui dentro digno de se sentir medo. Aliás eu posso assegurá-la que aqui dentro não tem nada. Nada mesmo.