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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Meu chão


Meu cabelo está sujo, eu preciso cortar a unha, eu estou usando um moletom masculino, que não é meu. Nos meus pés, eu uso o mesmo sapato há semanas, acabaram minhas roupas limpas.

Minha vida está em caixas, não consigo achar meu material da faculdade que está dentro de algum papelão. Só como comida de microondas ou em algum restaurante há semanas. Estou com saudades de cozinhar.

Meu cigarro acabou, meu dinheiro também. Não tenho móveis, não tenho guarda-roupa, nem geladeira, nem fogão. A cama em que eu durmo não é minha, o banheiro em que eu tomo banho não é meu.

Tenho me sentido sem chão, sem canto, sem poder criar raízes. Meu futuro quarto ainda não tem paredes, me sinto sem propriedades. O papel que eu estou escrevendo o rascunho desse texto não saiu do meu caderno, até a caneta é emprestada.

Não consigo achar meu shorts sem elástico que eu gosto de usar quando estou sozinha. Esses dias descobri que minha vida cabe em um uno.

Tem sido uma época de turbulências, algumas coisas ajudam, outras ajudavam e também se perderam em meio a tempestade. A única certeza que eu tenho está a mais de mil quilômetros de distância, e nem perto da linha de possibilidades do meu futuro próximo.

Eu tenho amigos. Grandes amigos. Sou infinitamente grata por eles.

Mas, no momento, estou sem chão, sem casa. Não tenho filosofias sobre isso, nem grandes conclusões. Só um vazio, e uma vontade imensurável de ter algo meu para chegar.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Morangos

Cansei de morangos. Morangos não são a única coisa na face da terra, existem bananas, peras, uvas, laranjas... Eu não preciso de morangos.

Morangos só dão dor de cabeça. É um problema atrás do outro. Quando eu como morangos, fico sempre pensando se os morangos querem estar na minha geladeira, se os morangos deves ser resfriados ou deixados na temperatura ambiente. Se os morangos tem todos os nutrientes que eu preciso, quantas calorias eu vou engordar com aqueles morangos.

Chega. Não quero mais morangos. Quando eu decido comer morangos, e me entregar nessa comilança, sempre esqueço de lavar a louça, fazer trabalhos, levantar os pés na hora de subir os degraus... Morangos me tiram o foco, me deixam preocupada com quantas mordidas eu tenho que dar neles, se eu estou comendo rápido demais, se eu estou comendo rápido de menos.

Parece que eu tenho um poster de morango na minha parede? Ou estou tratando os morangos com muito descaso? Eu gosto de morango, mas queria comer o morango e pronto. Curtir o sabor do morango, a acidez, misturada com a doçura. Sentir a textura do morango, o gosto de morango na boca. Mascar um chiclete e lembrar do sabor do morango, sem me preocupar com o que o morango vai achar.

Nada demais, queria curtir o morango, saber se o morango quer ser curtido, sem ter que pensar na temperatura ideal pra manter o frescor do morango. Eu sei que quem se preocupa com o morango sou eu, o morango só está lá, na geladeira, ou no arranjo no centro da mesa. Mas eu queria saber como o morango se sente, se ele queria estar do lado de uma cereja, ou se ali mesmo está bom.

Morangos deveriam vir com plaquinhas, deveria ser possível olhar pro morango e saber se aquele morango é bom, ou ver pelo peso que nem em maracujá, ou dar tres batidinhas, que nem em melancia. Mas morango é difícil julgar sem por na boca.
Eu tenho a impressão de que os morangos são só morangos morangando por ai.
Eu adoro morangos.

sábado, 15 de setembro de 2012

Epidemia

Começa devagar, é quase imperceptível. Eles talvez nasçam por geração espontânea, ou talvez a gente já nasça com os ovos incubados. Não sei se todos tem esse tipo de ser, mas a maioria de nós ja nascemos com eles.

Se proliferam sorrateiros, e quando nos damos por conta, é irreversível. Eles são tipos de vermes, que se alimentam de suposições. Eles crescem pouco a pouco, assim como os mamíferos, não existe troca de quitina, eles vão crescendo e chegam ao ápice de suas vidas gordos. Cheios de idéias e suposições digeridas.

Se rastejam pelo nosso cérebro, contaminando todos os prospecto de felicidade. Desencubam quando lhes convêm. Normalmente em época de dúvidas e inseguranças. Não ajudam, só atrapalham. Causam problemas de saúde e não têm cura. É viral.

Esses pequenos bichos vivem nas entranhas, nos meandro dos nossos pensamentos, tem hábitos noturnos, normalmente nos horários antes de dormir. Os sintomas são dúvida, insegurança, e paranóia. Em alguns casos levam o contaminado a chorar aparentemente sem razão, em casos mais sérios, resultam em palavras sem sentido que podem ser expressadas através de mensagens de texto, telefonemas, emails e já existiu casos de pacientes que se manifestaram através de redes sociais. Provocam indiretas descomunais.

Como sabemos se eles vão agir? Alguns hábitos podem indicar o desenvolvimento desses vírus, como por exemplo ouvir música lenta com temática romântica, com letras de decepção amorosa, ou frustrações com a vida. O silencio do possível infectado também é um indicativo. Outra forma de sintoma é a redundância de um mesmo assunto, ou o destrinchar de momentos vivenciados, que na realidade não significam nada demais. Essa análise repetitiva de um mesmo evento é um estágio mais sério, precisando assim buscar ajuda médica. Esse auxílio médico pode ser substítuido por um pote de dois litros de sorvete de flocos ou uma barra de chocolate.

Fique atento, esse vírus pode infectar qualquer um e a forma de contaminação ainda é desconhecida. Caso tenha se identificado com qualquer uma das descrições acima, procure um ombro amigo que tenha paciencia para te escutar. O melhor a fazer quando infectado é esperar o sintoma passar. Alguns pacientes mantém esse vírus por meses, outros só por uma noite.

Lembre-se, a primeira medida para superar a crise é procurar um amigo.

Observações: Álcool pode ajudar, contanto que não em excesso. O excesso pode provocar uma ressaca física e moral.

domingo, 9 de setembro de 2012

O cristal

Puxou-a pelo braço, fincando os dedos sujos de terra, em seu cotovelo. Em um assalto arremessou-a através da sala. Ela voou. Como que por inércia, se deslocou destruindo os móveis pelo caminho até atingir a estante que derrubou todos os livros e bibêlos pelo impacto. Caiu sentada.

Viu um abajur se aproximando, em direção ao seu rosto e jogou o torso para a direita. Estava frágil, vulnerável e sentia um fio quente escorrer pelo nariz. Sentiu o gosto do próprio sangue que entrava pela boca e se espalhava pelos dentes.

Olhou para cima e viu o sol ser encoberto por braços grandes ao lado de costas largas. Ela estava nas sombras. Ele a levantou pelos ombros, com a mesma facilidade que uma mãe levanta um bebê, e deixou-a despencar no sofá azul royal. Ela afundou, tentando atravessar pelas almofadas. Não conseguiu. Ela ainda estava lá.

Ele abriu um botão e com uma mão abaixou o zíper, enquanto com a outra segurava-a pelo queixo, apertando suas bochechas. Ela soçobrava balbuciando por favores que se perdiam em meio a tantos vasos quebrados. Ela se rendeu. Deixou a cabeça cair pelo braço do sofá e aceitou seu destino.

Ela encarava um adorno de cristal, quase podia ver ser reflexo. Passou os olhos pela base heptagonal do arranjo. Era uma peça pontiaguda, que formaca uma espécie de cone. Como a ponta de uma lança. Uma lança. Lança.

Moveu quase que imperceptívelmente o braço em direção à mesa de canto. O braço sacudia em movimentos repetidos que partiam do corpo em cima dela. Ela segurou a peça, como quem segura um punhal, deixou o braço cair, passando o objeto por baixo da saia do sofá. Suas mãos seguravam o cristal com tanta determinação que ela podia sentir as impressões da peça.

Num movimento furtivo, viu o braço fazer um movimento arqueado e instintivo, deixando a peça aterrisar com a ponta fincada na nuca do homem. O movimento parou, e ela sentiu o peso do corpo despencar sobre ela. Podia sentir o calor do sangue, que ainda jorrava, nas mãos. Viu escorrer as hemoglobinas pelos dois lados do pescoço, formando uma gargantilha em que o pingente escorria no peito dela.

Sentia a adrenalina pelo corpo, e soltou vagarosamente a peça de cristal, empurrou o corpo sofá a baixo, se levantou desviando as pernas mortificadas, e tremendo foi até a pia da cozinha, lavou as mãos em desespero, pegou as luvas de borracha, vestiu o sobretudo que estava em cima da mesa, abotoou até o pescoço cobrindo todas as marcas vermelhas do corpo nu e saiu. Vestia as luvas de borracha e os pés descalços. Deixou no apartamento as roupas e a integridade. Nunca contou pra ninguém.