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quarta-feira, 5 de maio de 2010

O garoto

A risada nervosa do garoto preenchia o silêncio da sala do velório. Ele segurava uma xícara suja com vestígios do café feito de manhã. Eram três da tarde.

Os convidados rondavam o corpo estendido no meio da sala. Era seu pai. Dentro do caixão, a maquiagem tentava esconder o roxo causado pela asfixia.

Durante a manhã, o filho pagou o funeral, tratou sobre o seguro de vida, as propriedades e as dívidas deixadas. A cada condolência, ele sorria tímido e dizia: ‘ Tá tudo bem. A gente mal se falava mesmo’.

Quando o garoto tinha 12 anos o pai foi embora, deixou a mulher e as crianças e no batente da porta disse: ‘ Isso é demais pra mim’. Foi morar em um condomínio com outra mulher, sem crianças. Mandava uma pensão todo décimo quinto dia do mês, visitava no Natal, aniversários e ligava no Ano Novo.

A mãe morreu atropelada quando ele tinha 16, o irmão mais velho foi morar na capital, mas ele ficou. Não sabia o porquê, mas ficou.

Quando a mãe morreu, ligou para o pai e disse que precisava conversar. Marcaram de tomar um café, remarcaram três vezes. O pai sempre tinha compromissos. O café durou exatos 27 minutos. No vigésimo oitavo, ele assistiu o homem sair pela porta da padaria, falando no celular.

O garoto olhou para o canto da sala e viu a viúva que derrubou cinco lágrimas durante o discurso do padre. Ela checava o relógio de 3 em 3 minutos. O enterro seria às quatro.

Já eram três e meia. No velório estavam as amigas da viúva, que comentavam sobre o ultimo episódio da novella das oito, o padre, alguns familiares e alguns amigos do filho. O irmão disse que não iria no enterro porque estava trabalhando e não podia perder o prazo do projeto.

Às quatro, enterraram o caixão. A viúva saiu apressada, as amigas seguiram. Os familiares e os amigos seguiram o padre, mas o menino ficou. Sentou no túmulo recém coberto e chorou.

E chorou.

As lágrimas eram constantes, lavavam as bochechas vermelhas de calor. Chorou de saudade do que não tinha sido, de saudade do que podia ser. Chorou pelas boas memórias que não existiam, pelos bons momentos que não tiveram. Lembrou de abraços que não foram dados, de histórias que não foram contadas, de confissões que não foram ouvidas. Chorou. Afinal, sob os seus pés jazia seu pai.

5 comentários:

  1. Pelo menos teve alguém para chorar por ele. Mesmo pelos motivos errados.

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  2. Poutz Júh, pegou pesado, hehehe
    Tá foda o texto, mas prefiro vc mais metafórica. Menos "olha - o - futuro".

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  3. Muito foda.

    Negócio é fazer o possível pra, quando chegar a vez do meu pai (e que demore muito tempo), eu chore não pelo que não foi, mas pelo que foi, pelo que passamos.

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  4. Quando vi seu comentário na Ponte (obrigado, diga-se de passagem), esperava outra coisa daqui. Não sei o quê. Mas não o que li.

    Vc escreve muito bem, não perdeu nada do português. "Ego" é excelente. E "quarta" tem um lance de experimentação que me encanta.

    Se rolasse um "receber por e-mail" eu aceitaria. Senão, volto aqui. Mas é que minha memória é horrível.

    Enfim, parabéns pelo blog. Vale a visita.

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