Quer ler o que?

domingo, 27 de dezembro de 2009

Vinte e quatro de dezembro

Um pinheiro decorado com luzinhas de natal e bolas brancas enfeitava o canto de uma sala retangular pronta para receber cerca de 20 pessoas. O sol já tinha se posto, a temperatura ainda era de 32 graus e a árvore exibia pequenos Papai Noéis com gorros vermelhos prontos para esquiar.


A casa era da avó, que desgostava das noras pelo simples fato de elas serem casadas com os filhos, que se desgostavam entre si pelo simples fato da falta de convivência. Um morava no Rio, o outro morava no litoral sul, e o outro morava na mesma cidade, num apartamento que a mãe achava perigoso demais.

Às oito chegaram os primos que exibiam sorrisos falsos e comemorativos. Não se davam bem com os tios por problemas de negócios. Família, família, negócios a parte.

Às oito e vinte chegou o avô, ex-marido da avó, separados por traição. O avô teve um caso com a tia-avó por 26 anos. Caso que foi esgoelado, num almoço de domingo, pela tia-avó depois de três garrafas e meia de vinho e duas doses de uísque.

A tia-avó chegou as quinze para as nove trazendo uma farofa com pimenta demais, e logo atrás chegaram os filhos e suas respectivas esposas junto com seus respectivos filhos. Cinco primos ao todo. A diferença de idade e o ego não ajudavam. Um era velho demais, o outro era novo demais e o outro era burro demais.

Eram dez horas quando a avó começou a chamar todos para se juntarem à mesa. Eram dez e vinte quando ela conseguiu. Sentaram-se na sala retangular preparados para jantar. O neto mais velho serviu o prato até as bordas e se sentou ao lado do pai. Ambos comiam com a mão direita e colocavam o braço esquerdo na frente do prato, funcionando como uma muralha.

A avó engasgou com o excesso de pimenta na farofa, o avô tentava flertar com uma das noras enquanto lambia os dedos sujos de frango. Os primos comiam mastigando de boca aberta, lembrando uma centrífuga.

Quase ninguém levou o prato até a pia. Os que levaram, colocaram um sobre o outro sujando o fundo do prato de cima com os restos do jantar.

As onze e meia todos já estavam trocando os presentes comprados por obrigação. À meia-noite, ninguém percebeu. À meia-noite e quinze, todos se cumprimentaram e foram chamados pela avó até a varanda.

Posicionaram uma câmera no capô da Mercedes do irmão mais velho, todos sorriram para a foto. À meia-noite e meia, foram embora.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Marla

- Ahn.. alo?

- Oi! Te acodei!? Te acordei!?

- Ahhn... não... pode falar.

- Acordei né?

- Aham, mas pode falar.

-Eu sei que são três horas da manhã, mas eles nasceram!

- Os gêmeos da Marina? Ela não tava de sete meses? Quanto tempo eu dormi?

- Não, não os gêmeos da marina!

- Ah.. Ufa. Não?

- Não.

- Quem nasceram?

- Os filhos da Maria!

- A Maria do Claudinho tava grávida? Eu achei que ela fosse só gorda...

- Acho que não...

- Então filha de qual Maria que nasceu?

- Os filhotes da Maria!

- Que Maria?

- A minha gata Maria.

- Oi?

- A Maria, minha gata branca?

- Sei.

- Tava grávida, e os filhotes nasceram.

- Você não me disse que a Maria tava grávida.

- Eu não sabia..

- Oi?

- Achei que ela tava gorda.

- Que nem a Maria do Claudinho.

- Até comecei a comprar ração light.

- Ração light?

- Sim, de pouca caloria, ajuda a diminuir o colesterol e tem sabor salmão.

- Pra gato?

- É.

-Funciona?

- Aham.

- É caro?

- Não muito, porque?

- Meu colesterol ta meio alto.

- Cala a boca.

- Rude.

- Me diz o que eu faço com os gatos.

- Quantos são?

- Sete.

- E você achou que ela tava só gorda!?

- Parecia.

- Você devia ganhar um prêmio.

- Pelo que?

- Pela desatenção.

- Ahn, foi você que trancou a Marla no hall.

- Marla é uma cachorra muito silenciosa, eu não vi que ela tava pra fora do apartamento.

- A coitada passou a noite fora. Tadinha.

- Vamos voltar a falar da Maria?

- Eu não aguento mais os miados.

- Vende.

- Quer comprar um gatinho?

- Só se for de ração pra Marla.

- Ai que horror.

- Ela precisa de proteína!

- Oi?

- Ela tá com deficiência de proteína.

- Além de trancar a pobre pra fora, deixar a cachorra sem proteína, ainda quer resolver com filhotinho da Maria.

- As vezes a gente pode comer gato e nem perceber. Filé Miau.

- Cala a boca.

- Rude. Foca no problema dos sete gatinhos.

- Parece o texto do Nelson Rodrigues.

- Pensei em um final menos trágico.

- Adoro o Nelson.

- Que Nelson?

- O Rodrigues, ué.

- Nossa acho que ainda to com sono.

- ...

- Você podia entregar os gatinhos pra doação.

- Eles não tem raça, e são particularmente feios.

- É porque eles acabaram de nascer, ué.

- Vou esperar um pouco até eles desmamarem e mandar pra doação.

- Como quiser.

- Boa noite.

- Beijos.



- Alô?

- Oi!

- E ai, conseguiu doar os gatinhos?

- Não... To começando a enlouquecer.

- O miado?

- É... queria te fazer uma pergunta.

- Pois não.

- Quanto de proteína a Marla precisa??

domingo, 20 de dezembro de 2009

Veja bem,

Ela via a vida como a perfeição, a natureza como cíclica, a morte como transcendência. Ela via os cheiros, os gostos, as pessoas pelo o que elas eram, não por aquilo que aparentavam ser.
Via nos sonhos, possibilidades. Via nos erros, chances. Via uma fruta de um jeito que quem lê esse texto nunca vai entender. Via no tédio uma oportunidade, no êxtase um aprendizado. Via nos outros o que não via em si mesma.
Ela era cega.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ET

"Nossa que merda minina! Vira gente normal. Vai nas baladas, no cinema em vez de ficar postando essa merda...vc é um ET.. Doida "

Primeiro: HAISDHSIUDHASIUDHAISUDSDHAUISDHAIUSDHIAUSHDAIUSHAIUDHASIUH

Segundo: Não, obrigada.

Não tenho postado com frequência, não vou falar que estou com pressa, com provas e tal. Eu estou de férias, e tenho bastante tempo livre.. O problema (se voce quiser chamar assim) é que eu estou usando meu tempo pra arrumar umas coisas pra viajar e falar tchau pra alguns amigos. Volto em breve, já tenho umas idéias começadas. Preciso sentar e fazer. Eu vou, em breve, mas não agora.
Coloquei o comentário do anônimo ai em cima, porque a intenção com certeza foi causar uma discussão, então, aproveitem.

Volto em breve.

sábado, 28 de novembro de 2009

37

- Gregório... presta a atenção... a gente precisa conversar. Senta. Olha, ahn, é uma coisa bem difícil de dizer, mas eu vou.

É o seguinte, a nossa relação, o nosso namoro, não nossa amizade, eu adoro conversar com você e rir com você, voce é um cara muito engraçado e inteligente, mas o nosso namoro, se é que a gente pode chamar essa relação de namoro, tá passando por uma fase meio conturbada pra mim. Tá ficando meio sério, a gente já conhece os amigos uns dos outros e jajá eu vou conhecer a sua família e voce a minha, e eu não sei se eu to pronta. Entende?

Eu to meio confusa, e eu até acho injusto falar isso pra você, porque eu sei que voce é um cara muito legal e tal...

Não é nada contra você, eu até gosto de você, mas eu acho que tá ficando íntimo demais. Eu não lido bem com intimidade demais, eu preciso do meu espaço.

Não é pra ficar bravo comigo, ou chateado. Eu quero que a gente continue amigo quando essa conversa acabar. Eu queria que a relação continuasse do jeito que tá, mas como dizia Parmênides, as coisas estão em constante movimento, e eu sei que não dá pra estatizar a relação.

Eu sei que se a gente continuar com esse namoro a gente vai deixar as coisas mais sérias, então eu tava pensando e cheguei a conclusão que talvez seja melhor a gente terminar.

Mas olha, eu quero que a gente continue amigo que nem sempre, e quero que voce saiba que voce ainda vai encontrar alguém que te valorize mais do que eu, e que esteja pronta pra uma relação dessas.

Você é um cara muito legal, eu me diverti muito, e eu gosto muito de você, mas eu acho que não dá mais.

Não fica chateado, por favor, não fica.

É que eu acho que talvez você esteja levando isso mais a sério do que eu, que voce esteja gostando mais de mim do que eu de você.

Meu deus como é difícil dizer isso. Não é bem terminar porque a gente não tinha nada oficial, é um afastamento. E a gente ainda vai conversar normal.

Fala alguma coisa.

O que você acha?

- Tá.

- Oi?

- Tá.

- Gregório, eu não quero que você fique chateado, tudo bem?

- Não estou.

- Tem certeza? nem um pouquinho? Pode falar se estiver.

- Não, tá tudo bem.

- Mesmo?

- Mesmo.

- Então acho que a gente se vê?

- Quem sabe.

Ela ligou pra ele 12 vezes durante a tarde, 23 durante a madrugada, e 2 na manhã seguinte. Mas, dessa vez, ele não estava pronto.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Na gaveta.

Ela escreveu um texto que resumia em palavras toda a dor que ela sentia, um texto sincero, sem rodeios, que explicitava todos os pensamentos, as frustrações, e as mágoas que ela sentia com relação à família, vida e amigos.
Ela não publicou. Com medo que as pessoas se machucassem com a sinceridade demais.

domingo, 8 de novembro de 2009

Falência hepática

- Oi amor! Como voce tá?

- Com pressa. Me segue que a gente vai atualizando.

- Ok, o que aconteceu com voce?

- To acabada.

- Porque?

- Fui a um enterro hoje.

- Nossa, que merda.

- Pois é. Uma merda. Parece que quem morreu fui eu.

- A energia desses lugares é péssima, né?

- Super.

- Morreu porque?

- Torceu o pé.

- Anda mais devagar. Como assim morreu porque torceu o pé?

- Assim ué, torceu o pé foi pro hospital e morreu.

- Mas torceu quanto? Fratura exposta e hemorragia?

- Não, torceu o pé e foi pro hospital, quando passaram Gelol descobriram que o cara era alérgico e empipocou tudo.

- Alergia mata?

- Mata. Mas ele não morreu disso.

- Morreu do que?

- Deixa eu terminar a história.

- Ta. Anda mais devagar se não eu não acompanho a história e o passo.

- To com pressa, mesmo.

- Ta, eu dou uma corridinha, minhas pernas são mais curtas que as suas.

- Só uns centímetros.

- Não quero falar sobre isso. Continua.

- Então ai a alergia atacou o fígado, que já não era muito bom porque ele bebia um pouco.

- Morreu de falência hepática?

- Não. É que junto com o fígado começou a falhar uns outros órgãos.

- Falência múltipla de órgãos?

- Não. E olha que ele tinha uns problemas no coração, mas não.

- Nossa, problema no coração porque?

- A idade eu acho.

- Quantos anos ele tinha?

- 83.

- é...

- Então ai, o corpo ficou fraco e o cara pegou uma gripe.

- Dentro do hospital?

- Pois é.

- Que irônico, né?

- Super.

- Então morreu de gripe?

- Não, ele estava melhorando, ai decidiram contar que a neta tava grávida.

- Morreu porque a neta tava grávida?

- Lógico que não.Ele não podia sofrer emoções fortes. E ele enfartou.

- Nossa, que horror.

- O que?

- Morrer por uma notícia que era pra deixar ele melhor.

- Quem disse que ele morreu?

- Ué, você não foi no enterro?

- Fui, mas ele não morreu por isso.

- Pelo enfarte?

- É, ele sobreviveu.

- Nossa. Pra onde você ta indo?

- Entregar essas pastas. Esse salto ta me matando.

- Você não devia trabalhar de salto. Continua.

- Então decidiram colocar um marca passo.

- Coitado, morreu na cirurgia?

- Não, não precisou fazer.

- Porque?

- Morreu antes.

- Arritmia?

- Não, traumatismo craniano.

- Problema cardíaco causa traumatismo?

- Acho que não.

- Então...?

- Antes da cirurgia ele foi ao banheiro.

- Qual a relevância?

- Quando ele foi ao banheiro morreu.

- Ainda não entendi como.

- Pra chegar ao banheiro tem uma escada, ele caiu da escada.

- Bateu a cabeça e morreu?

- Exato.

- AI!

- Que foi?

- Torci meu pé.

- Nossa, ta feio mesmo.

- Ta doendo. Leva essas pastas pra mim na sala da Cláudia.

- Levo.

- Rápido!

- Ok, não quer que eu te leve no hospital?

- Não, obrigada.

- É melhor, ai eles fazem uns exames e passam alguma coisa nesse pé.

- Não, já to boa.

- Você tá pulando num pé só.

- Vamo, eles examinam bonitinho.

- Mas e o enterro?

- Esquece o enterro, vamos e eles passam alguma coisa.

- Promete que não vai ser Gelol?

PS: Primeiro o Bonaldi, agora o Tyler. O que será das minhas quintas a noite?
Boa sorte internacional pra vocês. Escritores exilados. E saibam que esse forno de cidade é mais legal. Muito mais legal.
Ou não.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Flores.

Parou em frente a casa, única no quarteirão, e desligou o carro. A casa era revestida de plantas, folhas verdes brotando do chão até as telhas. Atravessou a rua e tocou a campainha.

Uma senhora apareceu na janela e, por entre as plantas, viu o homem de terno preto e uma pasta na mão.

Abriu a porta da casa e saiu em passos miúdos em direção ao portão carregando um molho de chaves. Foi testando uma a uma no cadeado do portão. O homem era alto, gordo e tinha um queixo protuberante. Convidou-o a entrar com um gesto, e o seguiu até a sala de estar.

Apontou para o sofá e sorriu assentindo a cabeça. Sumiu por uns minutos, voltou com uma bandeja, uma chaleira e duas xícaras.

- Chá?

- Aceito, obrigado.

Com as mãos tremulas, serviu as duas xícaras e se sentou.

Ficaram durante todo o chá em silêncio.

A senhora, de olhos fechados, respirava o vapor em busca do aroma. Passaram-se 15 minutos de silêncio.

- A senhora deve ser a Dona Alva.

Ela assentiu.

- Meu nome é Estevão. Estevão Jordão. Eu sou corretor... – Ele interrompeu.

Ela tinha levantado a mão em pedido de silêncio.

- Sei do que se trata.

- Nós podemos pagar o dobro do valor da casa.

- Não estou interessada.

- Posso falar com o meu chefe, podemos negociar.

- Não, obrigada.

- Um preço bom.

- Não.

- Dona Alva, esse é um bairro perigoso para uma residência.

- Prefiro correr os riscos.

- O centro está longe, não existe mais vizinhança.

- Não quero que a minha casa morra.

- Desculpe?

- Não quero que a minha casa morra.

- Quantos anos a senhora tem, Dona Alva?

- O suficiente.

- Deixa eu te explicar, Dona Alva. Sua casa não vai morrer. Não tem como morrer. Uma casa é um objeto. Objetos não morrem.

- Uma casa morre quando se varrem as lembranças.

- Dona Alva, tire umas fotos, registre suas memórias, e guarde todas em um álbum. Não em uma casa. A senhora mora sozinha. É perigoso uma senhora da sua idade viver sozinha. A empresa pode pagar uma casa de retiro para a senhora. Lá você vai estar sob cuidados.

Dona Alva se levantou e caminhou até a estante onde guardava porta retratos.

- Não, obrigada.

- Sejamos razoáveis Dona Alva, a senhora não tem mais condição de viver sozinha.

A senhora se virou para a direção do corretor respirando fundo e marejando os olhos. Começou a falar lenta e pausadamente.

- Eu me casei, cuidei do meu marido até o dia 22 de abril. A partir daí, criei dois filhos por minha conta. Eu sei como viver sozinha nessa casa. Não estou interessada.

- A senhora podia ir morar com um dos seus filhos.

- Não posso.

- Eles estão desempregados? Podemos oferecer emprego na nossa empresa.

- Morreram.

- Dona Alva, perdão pela indelicadeza, mas a morte é inevitável , talvez seja essa a hora da senhora se desapegar dos bens materiais e aceitar o curso natural da vida. Eu por exemplo perdi uma namorada, mas segui em frente.

- O senhor já perdeu dois filhos senhor Estevão?

- Não.

- Não tente se colocar no meu lugar e eu não vou tentar me colocar no seu. Não estou interessada.

A senhora saiu a passos curtos em direção à cozinha levando a bandeja, a chaleira e as xícaras.

O corretor começou a andar pela casa observando as fotos e as plantas que forravam as paredes. A casa tinha paredes quentes, revestidas por folhas verdes e flores coloridas. No quintal e na sala de estar só se viam flores.

Ele se aproximou de uma bromélia que brilhava e a tocou. Saiu por todo o aposento passando os dedos nas flores e folhas freneticamente.

Parou quando viu o reflexo de Dona Alva na cristaleira.

- Dona Alva, posso fazer uma pergunta?

Ela assentiu.

- Porque a senhora tem tantas flores como essas?

- Senhor Estevão, essas flores te acompanham. Não importa o que aconteça, chuva ou sol, elas te acompanham.

- Não é natural.

- A ilusão é o preço que se paga pela esperança de estarmos acompanhados.

- Não é real Dona Alva.

- Compensa.

- Mas são de plástico!

- Senhor Estevão, as flores de plástico não morrem.

Sim, Titãs.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Hércules

- To indo. Você viu meu casaco preto?

- Na tua frente.

- Ahn.

- ...

- Sabe o que eu tava pensando?

- Sei.

- Sabe?

- Não.

- Quer saber?

- Não.

- Tava pensando que seria super legal se eu casasse com um Adão.

- Você não é católica.

- Mas soa profético.

- Nossa.

- Sério. Podia ter um letreiro luminoso atrás do padre escrito: "Adão e Eva, mean to be".

- Que cafona.

- O letreiro?

- Também.

- O inglês?

- No Brasil é cafona. Escreve um "Era pra ser" que fica menos cafona.

- Ao não ser que eu case nos Estados Unidos.

- É.

- Ah.. Mas ai não vai chamar Adão..

- Por?

- Vai chamar Adam.

- Nossa. Você não tava indo?

- Tava...

- Beijos.

- Podia ter maçã de lembrancinha!

- Podia

- Maçã do amor! Uma árvore de maçã do amor!

- Beijos.

- O prato principal podia ser costela.

- Teoricamente isso seria canibalismo.

- Será que eles eram canibais?

- Quem?

- Adão e Eva.

- Nem que eles quisessem.

- Porque?

- Eles eram os únicos humanos do paraíso.

- Eles tiveram filhos, eles podiam comer os filhos.

- Baby beef.

- Ai que horror.

- Quem comia os filhos eram os titãs

- A banda?

- Não! O pai e os tios de Zeus.

- Pai do Hércules?

- É.

- O Adão podia ser forte que nem ele.

- Que nem o Zeus?

- Pensei no Hércules. Porque Zeus tem cauda de peixe.

- Quem tem cauda de peixe é o Tritão, pai da Ariel.

- Ah é.

- E o Hércules tem a canela muito fina.

- Meu vestido podia ser de folhas.

- Oi?

- O vestido de casamento.

- Com o Hércules?

- Que não vai chamar Hércules.

- Vai chamar Adão.

- Não. Adam.

- Ah é, o letreiro. Resumindo, tem que ser forte que nem o Hércules, ter canela grossa, ser americano, chamar Adam, não pode ser canibal, tem que gostar de costela e de maçã do amor?

- Isso.

- ...

- ...

- Eva..?

- Oi?

- Voce tem consciência de que você vai morrer solteira?

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O tiro

Estava de costas, a beira do terraço de um prédio de 12 andares, a ansiedade fervilhando em todas as células do corpo, o desespero lhe escapando aos olhos fechados e escorrendo pelo rosto, lágrimas despencando do queixo em direção ao chão.

Os segundos pareciam horas, dias. Já não tinha mais noção de tempo, tentava buscar o filme de sua vida dentro da sua cabeça, mas tudo o que conseguia pensar é que se não morresse com o tiro, morreria com a queda.

Os dedos se contraíam involuntariamente, a gravata se debatia com o vento. Ele tinha uma idéia.
Iria falar e tentar ganhar tempo. Tinha sempre resolvido as coisas na conversa.

- Porque?

- Cala a boca!

- Porque?

- CALA A BOCA!

- Só quero saber o motivo.

- Vai tomar no teu cu, filho da puta. Cala essa boca!

- SÓ O MOTIVO!

- Voce fala demais.

Morreu. Na queda.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sala de vídeo

Ela vinha caminhando com seus olhos azuis. Os espremeria feito uma espinha gorda assim que ela se aproximasse. Queria ver a retina se separar do globo ocular. Me viu e veio sorrindo expondo as presas brancas.

Oi, tudo bem? NÃO! Não esta tudo bem! Vaca! Levantei os braços pronta pra descer com toda a força em cima da cabeça coberta por sebo e um cabelo loiro. Queria que o impacto fizesse com que ela achatasse, que seu corpo se resumisse a pés e cabeça, que a força fizesse o fêmur rasgar as entranhas daquela vaca.

Tudo, sorri, e você? Responde só ‘sim’, otária! Não faça algum comentário. Azeda. Esperei pela resposta da mesma forma que alguém à beira de um penhasco espera o tiro. A voz me corroia os tímpanos, eu queria fundir ao chão. Queria bater a cabeça dela no vão da porta, bater, bater, bater até o cérebro espirrar pelo nariz e formar uma marca de sangue viscosa parede. Tirar aqueles olhos azuis da órbita.

Tudo ótimo! Seu cabelo ta ótimo! Vaca! Vaca! VACA! Para de mugir! Para de falar ótimo! Sua redundante burra. Morra! Era de propósito. Precisava passar no banheiro pra raspar o cabelo hoje. Com sorte ele teria nascido no dia seguinte. Nojenta!

Obrigada, o seu também. As presas irradiaram Quase podia ver meu reflexo na brancura da boca daquela vaca.

Fechei os olhos e em um segundo visualizei uma voadora no meio da bolota de blush na bochecha dela. Molares e incisivos voando pelo ar espalhando sangue pelo corredor. Queria ver ela sangrar pelas orelhas. E quando ela caísse no chão eu chutaria a merda do estomago dela incansavelmente, até o momento em que ela iria me implorar clemência. Vaca!

Você sabe onde é a sala de vídeo? Sei! No inferno, capeta! Burra! Burra! Burra! Vou arrancar teus cílios na unha. Tem uma placa ali, sua porca. Oferenda!

No final do corredor à direita. sorri. Tomara que você tropece no bebedouro e caia com a cara no lixo. Você ia se sentir em casa! Bastarda nojenta. Exploda! quero ver teus rins pendurados no ventilador! Vaca!

Me despedi sorrindo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

360º

Olhou para os prédios tentando se lembrar qual seria o seu palco. Avistou-o e caminhou pisando firme. O vestido de malha vermelha esvoaçava em cima do escarpim de veludo, e na mão, tinha uma pequena bolsinha com um kit de maquiagem.

Tudo parecia demais. A quantidade de prédios iguais, a quantidade de andares, e o fato de que o maldito elevador estava em manutenção.

Abriu a porta corta fogo encarando as escadas que a levaria até o vigésimo terceiro andar. A cada degrau ela achava um motivo pra continuar. Estava tudo ensaiado. O que diria, a cara que faria, e o modo como ela se viraria em direção a porta com braveza e olharia pra trás lentamente sinalizando o suposto fim do relacionamento.

Ela falaria sobre os três almoços em que ele chegou atrasado, e sobre a escova de dente que ela sorrateiramente esquecia e ele insistia em devolver pra ela, afinal, não era grande sacrifício deixar uma escova a mais em cima da pia. Reclamaria sobre a mania insuportável de rir enquanto tampava a respiração, e sobre como ela se sentia ultrajada por ele a ter deixado esperando duas horas na porta do teatro.

O relacionamento não era tão longo assim, mas aqueles dois meses foram inteiramente dedicados a ele, e era injusto ele não ter se dedicado em tempo integral.

Ela passara a atender menos clientes no salão, para que pudessem se ver com mais freqüência. Não marcava depilações para o sábado, quem quisesse passar o domingo sem pelos que comprasse uma gilete.

Durante um passeio pela praia ele comentou um filme com uma atriz loira que usava franja. Ela não teve dúvida, no dia seguinte apareceu com madeixas claras cobrindo a testa, mesmo que para isso ela tivesse que acordar uma hora mais cedo pra alisar o cabelo, era uma escova, uma chapinha dupla, babe liss em poucos fios pra parecer natural e voila.

Era um absurdo ela ter se modificado completamente por ele, o cabelo, as roupas, a música, tudo. E ele não se dar ao luxo de aceitar uma mísera escova de dente a mais em cima da pia. Já estava no nono andar com o rosto brilhando de suor, quando começou a repassar o plano:

Ela chegaria no 234, tocaria a campainha, ele abriria a porta, com uma cara surpresa de quem acreditava que iria matar saudades, e ela diria que tudo estava acabado, enumerando os fatos que a levaram a ir até lá e ele se sentiria culpado. A chamaria de volta, ela iria dizer ”Não Carlos, não dá mais. Eu tentei, eu também queria que tivesse dado certo... Talvez não seja o nosso momento” sustentaria o olhar. Olhar do tipo sexy. E por fim, num ato impulsivo e apaixonado ele a beijaria, prometeria que nunca mais a deixaria esperando em restaurantes e para selar essa promessa, ela teria uma Colgate 360º no banheiro. Era infalível.

No décimo quarto andar, sua franja loira começava a colar na testa, a malha vermelha a se tornar vinho embaixo das axilas, e o dedinho do pé direito começava a ficar latejante. Abriu a bolsa, tirou um leque, se abanou por alguns minutos e continuou pelas escadas.

Ela começou a sentir um suor se formando nas costas, e depois uma gota escorrendo pela coluna em direção a calcinha de zebra que ela comprara especialmente para a reconciliação.

Já estava no décimo sétimo andar, e a esta altura, a franja já tinha se acoplado na testa, a mancha vinho se estendia para as costas, e ela já nem guardava mais o leque que abanava freneticamente.Abriu a bolsinha e pegou um prendedor de cabelo, fez um rabo de cavalo molhando os dedos de suor quando passou a mão na raiz um centímetro castanha.

No décimo nono ela decidiu sentar e se recompor. Soltou o cabelo, e procurou um pente dentro da bolsa. O suor desfez a escova da franja que agora apontava para fora. Numa tentativa de minimizar o estrago, ela prendeu a parte da frente do cabelo em um pequeno rolinho no alto da testa. Soltaria antes de tocar a campainha e a franja estaria no lugar.

Tentou se enxugar com um lencinho Kleenex, e se olhou no espelho. O lápis de olho e o delineador tinham escorrido com o suor e ela tinha uma aparência digna de um urso Panda. Tentou arrumar com o dedo, não conseguiu então passou base em cima.
Abanou-se um pouco mais e se arrependeu tremendamente por não ter levado um cantil.

Retomou a escadaria.

Foi subindo com os braços em cima da cabeça na tentativa de deixar o vento secar o vestido na área das axilas. Sentia que estava criando uma assadura na parte interna da coxa, o dedinho direito, em tamanho, se assemelhava ao dedão.

O suor era tanto que ela sentia gotas se formando no cotovelo, os pés já escapavam do escarpim, formando duas bolhas que ocupavam quase todo o tornozelo, no vigésimo segundo, ela quase não acreditava que tinha suportado tanto.

Parou em frente ao último lance de escadas, observando quase com amor a porta corta fogo do 23º andar.

Soltou a franja e subiu. Ainda com a luz do hall apagada tocou a campainha e saiu tateando em busca do interruptor da lâmpada.

O hall de todos os andares era cheio de espelhos pelas paredes. Achou o interruptor e a luz acendeu. Ela se viu praticamente em um espelho de 360º, que não mostra só o corpo, mostra quase a árvore genealógica da pessoa refletida.

Entrou em pânico. Ela estava com uma faixa vinho nas costas, e o formato da bunda marcado no vestido. Lembrança de ter sentado na escada do décimo nono andar. O cabelo formava ondas disformes, e estava tão armado que ela poderia alçar vôo a qualquer instante, ela ainda se parecia com um urso panda e a franja não desgrudaria da testa tão fácil.

Ouviu um barulho de chave rodando na fechadura, e num impulso se jogou por trás da porta da escada.

Ela conseguia ouvir o Carlos chamando por alguém no hall, mas ela simplesmente não podia aparecer daquele jeito.

Parou para pensar quais as suas opções. Não sentou com medo de aumentar as duas circunferências molhadas no vestido. Olhou para porta, olhou para a escada. Agarrou seu leque, criou coragem e começou a descer. Voltaria quando já tivessem consertado o elevador.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Gordo.

Era um homem Gordo. Muito Gordo. Tinha a palavra “repugnância” subentendida na testa, e olhos fundos.

A camiseta tinha uma estampa silcada desaparecendo as partes e deixava um pedaço da barriga, pendurada pra fora da calça, aparecendo. Uma faixa de pelos em pequenos redemoinhos entre o verde da parte de cima com o jeans azul sujo de terra. O jeans era fechado apenas pelo zíper, deixando o botão aberto, tinha as barras com rasgos provocados pelos passos e uma ponta pendurada que ficava por baixo do chinelo “havaianas” azul claro de sola branca, que àquela altura era marrom.

Em uma mão, o homem mantinha um copo americano de bar preenchido até a metade com uma cerveja quente e aparentemente sem gás. Na outra, um cigarro Derby Azul. Tinha terra entre a unha e a carne dos dedos, unhas lascadas, e anormalmente grossas. No pé, a unha do dedão encravada e com uma bolha de sangue seco.

O homem levava o cigarro a boca, beijando os dedos sujos até as digitais. A fumaça, ele não se dava ao trabalho de assoprar, simplesmente abria a boca esperando que ela se esvaísse depois de apodrecê-lo ainda mais. Quando abria a boca, se entrevia os dentes amarelos cobertos com tártaro e placa. Faltava-lhe um dente na parte inferior da boca, ao lado do canino no lado esquerdo. E na parte superior, um pedaço do dentre frontal direito não existia mais - Deve ter ficado em uma briga de bar.

Os olhos, os olhos tinham o dom do estupro, e despiam qualquer par de tetas que aparecesse ao alcance da vista. A barba lhe preenchia o rosto, com pelos disformes e parcialmente grisalhos.

Estava prostrado em um boteco amarelo, sua presença fazia as paredes descascarem, e seu cheiro incomodava aos clientes e aos passantes. Cheirava a enxofre e Jatobá, na camiseta tinha marcas de suor embaixo dos braços, deixando a área molhada de um tom verde escuro.
Ficava parado na beirada da porta, com os calcanhares apoiando o peso do corpo e os dedos ao ar.

Tinha um sorriso malfeitor, e raramente saia do batente da porta. Só saia para comer, se alimentava de Pepino, batata e salsichas em conserva. Salsichas Gordas. Gordas que nem ele.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Recesso

Estou sem paciência, sem inspiração e sem tempo.
Não que eu não tenha nada a dizer, eu tenho.
Mas eu não tenho conseguido organizar meus pensamentos e colocá-los no blog.
Acho que estou saturada com as aulas integrais, a rotina e o fato de eu ter abandonado os cursos que me davam prazer.
Graças ao vestibular, sai do teatro, do inglês e da minha vida social.
Mas, como diz minha mãe, é um ano que se perde pra quatro que se ganha. Isso se eu passar. O que pode não acontecer. Bom, eu continuaria a escrever sobre o meu mais novo pesadelo, mas eu tenho que ir ler Iracema. Queria tentar esfaquear o livro pra ver se a Insuportável morre mais rápido.
Até breve.


Mentira.

domingo, 9 de agosto de 2009

Sagitário

- Quero fazer uma tatuagem.
- Onde?
- Na coluna.
- Coluna?
- É... Um pouco pra cima da lombar, e descendo pela bunda e terminando na coxa.
- Ok. E o que vai ser?
- Algo com fogo.
- Porque?
- Sou de sagitário.
- E daí?
- O símbolo do sagitário é o fogo.
- Não entendo nada de signos, energias, essas coisas shangrila.
- Percebi. Mesmo porque,uma coisa não tem nada a ver com a outra.
- É... mas eu entenderia.
- ?
- Se eu pudesse...
- Tem uns cursos na internet.
- Eu sei... E o de aquário?
- O que?
- Qual é o símbolo?
- Não sei, deve ser água. Pela lógica.
- Será que o par perfeito pra aquário é peixes?
- Faz sentido... mas não deve ser o único, fundamental.
- Como assim?
- Não deve ser obrigatório peixes e aquários formarem um casal.
- É... também faz sentido.
- Imagina que engraçado se todos os signos fossem complementos teriam quimioterapianos.
- Oi?
- De quimioterapia, pra fazer par com câncer.
- Ai que humor negro.
- Não foi tanto.
- Foi horrível, imoral.
- Você ta fazendo com que eu me sinta mal.
- Jura?
- É acho que é dor de cabeça.
- Deve ser um nódulo.
- Oi?
- As energias que a gente exala voltam pra gente. Se isso for verídico, depois da sua piada você tem um nódulo.
- Você acabou de dizer que não entende nada de signos e energias.
- Mas eu entendo de nódulo.
- Conhece alguém que teve câncer?
- Não.
- Então?
- Eu fiz um curso de oncologia na intenet.
- O que você pode fazer com um curso de oncologia no diploma?
- Te diagnosticar com um nódulo.
- De verdade que você acha que eu tenho um nódulo?
- Não sei, oncologia não é uma ciência exata.
- Claro que é.
- Não no curso que eu fiz.
- Então não é válido.
- Você devia fazer um exame.
- Pra ver se eu tenho câncer?
- Ou um nódulo.
- Não viaja.
- Não é viagem, é câncer.


- Não vou mais fazer a tatuagem.
- Er, porque?
- Ah, não combina!
- Com o que?
- Com o meu novo visual depois da quimioterapia...

terça-feira, 28 de julho de 2009

Pu-239

Paulo tocava guitarra, baixo e bateria. Falava inglês, estudava russo e era um aluno bom. Tinha uma inteligência além do conteúdo escolar, sabia de lógica, interpretação, e relações humanas. Era adorado por vários professores, tinha habilidades na área de humanas, esforço na área de exatas. Poucos e bons amigos, e uma garota pronta para ser sua futura namorada.

Gostava de Janis Joplin, David Bowie e Legião. Entendia de cinema, arte e queria ser músico profissional. Conseguia pensar em um futuro em meio a guerra que o país se encontrava.

Tinha uma banda que se chamava “Pu-239”, em homenagem ao filme preferido da mãe de um dos integrantes. Ensaiavam sempre, tinham músicas próprias.

Paulo era definitivamente um garoto feliz, ele sonhava com uma banda de sucesso, aquela namorada, um mês na Rússia, e uma aprovação na faculdade.

Quando completou 18 anos, se alistou no exército. Alegou miopia, e rinite. Não tinha problemas maiores. Teoricamente ele não seria aceito no exército quando alegasse miopia. Mas, o país estava em guerra, e aquela altura chamavam até os mancos. Foi aceito.

A família o acalmou, dizendo que a guerra já estava quase no fim, e que ele ficaria em um posto fixo, no quartel. Disseram que esperariam por ele, e que quando ele voltasse todos estariam na mesma posição que estavam quando ele fosse para a guerra.

A mãe lhe deu um beijo, o pai um abraço, a irmã um walkman com um CD da Janis, a banda um pequeno chaveiro em formato de guitarra e a garota um beijo.

Foi para a frente de batalha. Mandou uma carta pra família explicando que as vagas nos postos fixos estavam preenchidas, e que no dia seguinte sairia com a tropa em direção aos inimigos. Foi a primeira batalha de Paulo, e a última das tropas.

Dois meses depois, a família recebeu uma caixa. Dentro, o chaveiro, o walkman, a Janis, um bilhete e uma carta. A mesma que a mãe escreveu em desespero quando foi avisada da função do filho no exército, a carta tinha as letras borradas de lágrimas, e dois beijos manchados de batom no final das páginas.

O bilhete dizia simplesmente “Amo vocês e espero vê-los sentados na sala quando eu chegar”. Hoje, Paulo não toca, Paulo não fala, Paulo não volta.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Fátima

Fátima escreveu três livros, setenta e dois poemas, vinte e cinco crônicas, dois projetos sobre a distribuição de renda e a igualdade social, uma tese de mestrado em sociologia moderna, e sete propagandas geniais. Tudo impresso, encapado e com espiral sem nunca ter saido de dentro da gaveta da sala de jantar.

sábado, 11 de julho de 2009

Seu Antônio

Todos os dias Seu Antônio acordava as seis horas da manhã, se vestia e tomava uma xícara de café. Assim que o sol nascia, descia os três degraus que o levavam para a rua e seguia em direção a banca do próximo quarteirão.

Sentava-se num banco ao lado, e esperava, com um livro aberto no colo, Seu Joaquim subir as portas de metal e vender o primeiro jornal do dia. O segundo era sempre de Seu Antônio.

Sempre antes de comprar o seu próprio, Seu Antônio perguntava para o primeiro leitor quais as principais notícias do dia. Dizia que isso que o instigava a comprar o jornal.

Ficava por toda a manhã escondido atrás das páginas acinzentadas, deixando o livro da vez aberto ao seu lado, com a capa pra cima.

Passava por todos os cadernos, e os dava a mesma atenção, até mesmo a coluna social e o especial para crianças, que só publicavam de domingo.

Na rua, diziam que de tanto ler, ele tinha aprendido a lidar com as pessoas. Murilo, um garotinho do bairro, dizia que quando crescesse, ele ia querer devorar as letras que nem o Seu Antônio.

Quando acabava todas os cadernos do jornal, comprava frutas da quitanda da Dona Marilda, e ficava a tarde comentando as notícias com Seu Joaquim. Concordavam sempre.

Adorava jogar conversa fora. Ficaram amigos assim, um comprando o jornal e ambos dando opiniões sobre todas as notícias.

No fim da tarde, o sol se punha, as frutas acabavam, a banca fechava, e Seu Antônio voltava pra casa, sozinho. Subia os três degraus, que a cada dia pareciam mais longos, e se sentava na poltrona da sala. Guardava o jornal no armário do corredor, junto com muito outros e se preparava para ir dormir. Tomava banho, preparava seu próprio jantar, e depois assistia televisão.

Antes de dormir, rezava. Rezava para que ninguém nunca descobrisse, que na realidade, ele não sabia ler.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Meu LG nem tão Shine, mas ainda Slim




Ok. A foto não é boa, nem o celular.

Esse é o meu LG shine slim. E a foto do pobre celular está no meu blog em apelo ao Danilo Gentili!

Quando eu ganhei, uns 2 anos atrás, ele era novo, brilhante e eu prometi conseravá-lo ao máximo.

Tanto, que pra não estragar eu levava na bolsa e não no bolso. Um dia que o coloquei na bolsa, eu guardei junto uma lixa de unha que riscou a frente, e a camera atrás. Portanto, não tenho mais câmera fotográfica.

Depois, como todo shine slim, o teclado caiu com o tempo. Em tentativa de conservação, eu colei o teclado com super bonder, duas vezes. Funcionou da primeira vez, inundou o celular da segunda. Quando inundou, 3 botões pararam de funcionar. As setas para cima e para baixo, e o menu.

Como o menu parou de funcionar, ele está para sempre no vibracal, e as setas? bom, só não posso ler mensagens maiores que uma tela. E só acesso as mensagens pela tecla que representa a seta para a direita.


A lista telefônica, eu acesso através da parte de enviar mensagens. Como não tem as setas pra cima e para baixo, eu preciso digitar o nome completo de quem eu quero consultar o numero.

Outro dia, quando coloquei o celular no bolso (depois de desistir de conserva-lo) o teclado que cobria o um, o cinco e o tres caiu. e então eu desisti. Agora, eu tenho tres botões moles, e falhos.
Resumindo:
- Meu celular não tem câmera
- Não tem teclado
- Não tem menu
- Não le mensagens grandes
- Não corre a lista telefônica
- Não tem toque
- Não tem como ouvir música
- Tem muito super bonder respingado pelo teclado e pela tela.
Danilo Gentili, eu mereço um Nokia N85!
Ps: Meus amigos preferem não ligar pra ninguém, a usar meu celular.

terça-feira, 7 de julho de 2009

E Agora?

- E agora?

- E agora o quê?

- Como o quê? O que que eu faço, ué.

- Decide!

- ..?

- Já que você não sabe, espera a Patrícia chegar que ela resolve!

- E se ela demorar?

- O que você conseguia fazer, você já fez.

- É maior do que eu, entende?

- Não.

- É como se as minhas habilidades fossem inúteis.

- Pelo amor do São Marco Antonio de Biaggi! Isso não é culpa sua! Você fez o seu melhor!

- Mas, mas e se eu escolher errado?

- Não vai! Tudo vai dar certo!

- Queria fazer alguma coisa pra tentar ajudar

- Tipo o quê?

- Não sei, ligar pra alguém... sei lá!

- Vai ligar pra quem, que possa te ajudar?

- Não sei! Você devia estar ajudando.

- Mas eu estou aqui do seu lado.

- Estar do meu lado não ajuda!

- Então tchau.

- Nãão, fica!

- Então não reclama.

- Ta. Senta.

- Já sentei

- Posso deitar no seu colo?

- Pode... respira...

- To respirando...

- ...

- ...

- Não adianta você ficar ai com cara de depressiva.

- Mas eu estou depressiva!

- E isso ta ajudando?

- Não...

- Então para!

- Ta.

- Liga pra Patrícia e vê onde ela ta.





- O que que ela falou?

- Que já ta vindo.

- Ela é melhor que eu pra ajudar

- Ai, to confusa.

- Quer um chocolate quente? Uma água?

- Um porre.

- Um porre não vai ajudar.

- Nem uma água!

- Não grita!

- Eu to em pânico! Acho que vou ligar pro Pedro!

- Pra que?

- Quem sabe ele me ajuda?

- Jamais! Nem sonha!

- Mas ele é a melhor pessoa!

- Olha pra mim, e presta bem a atenção..

- To prestando

- Nunca, eu disse nunca, ligue pro Pedro!

- Você não quer tentar de novo?

- Mas eu já vi umas sete vezes!

- De novo!

- ...

- Por favor! Me ajuda!

- Vou tentar.

- Vê direito!

- Você ta em dúvida entre o vermelho e o preto?

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Antes das quatro.

Era verde, pesado e sem título. Olhei para o alto e vi um seqüência de lombadas que alcançavam o rodapé do teto abobadado. Escadas sobre rodas correndo pelas estantes, e eu ainda pequena, segurando o livro reencapado por um couro esverdeado, olhava para o alto imaginando a altura do dito rodapé.

A bibliotecária, dois metros acima de mim, procurava por alguma história que pudesse me interessar.Ao meu lado, um menino de boné laranja e feição traquinas, se esquivava entre a escada e a estante em busca de um relance de pecas intimas ou meias sete oitavos por entre as pernas da loira.

Bibliotecárias Municipais não deveriam usar saias.

Ela desceu com leveza, e sorrindo de um modo estúpido disse: “Querida, achei vários que você poderia gostar. A Branca de Neve, Cinderela, A Bela Adormecida! Todos de princesas! Não seria bacana ser uma princesa?”

Olhei para a capa verde em minhas mãos, e em seguida para a loira sorridente nada persuasiva: “Não. Vou levar esse mesmo". Ela tentou argumentar, convencer, persuadir. Mas, eu estava decidida a levar o livro verde. Aluguei, com o prazo de uma semana para devolução.

Sai da biblioteca, atravessei a rua pela faixa de pedestre olhando para os quadris que também a atravessavam, e me sentei no primeiro banco da praça central.

Senti o cheiro de pagina amarelada exalado quando folheei o livro. Era bem cuidado, antigo e com bordas cobreadas.

Abri a capa, a página do titulo tinha sido arrancada. Pulei a introdução. Estava sedenta. Tinha lido até então somente histórias curtas, de poucas paginas e muitos desenhos.

Naquela manhã, porém, acordei decidida a ir a biblioteca municipal ao lado da minha casa e alugar uma história grande. Tinha tudo planejado.

Esperei minha mãe sair para o trabalho e me esquivei sorrateira. Teria que voltar antes das quatro.

Passei o sumário, cheguei ao capitulo um, li o título e hesitei. Prossegui. Fechei o livro após o primeiro parágrafo. Passei a encarar o couro. Atravessei a rua e chamei pela loira sorridente.
Ela me olhou compreensiva e estendeu os braços esperando o livro para a devolução. Pedi um dicionário, e dessa vez me sentei na biblioteca.

Demorei quinze minutos para ler e entender os dois primeiros parágrafos. Chamei pela moça loira, devolvi o livro verde recebido com um sorriso de satisfação, aluguei Cinderela e naquele dia decidi que nunca mais tentaria ler Machado de Assis.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Margaridas

Pedro entrou em casa, e jogou a pasta no sofá em frente da mesinha recheada de fotos. Chamou pela mãe. Manteve-se o silêncio. Foi para a cozinha, afrouxando a gravata, preparou um lanche, e olhou pela janela. Viu uma senhora de costas com um pincel na mão. Ela mergulhava a ponta do pincel em uma paleta com tintas que formariam uma tela predominantemente azul. Com tons variados, mas sempre azul. Lembravam ondas, lembrava a água, lembrava o mar.

Chegou falando alto, e contando sobre seu dia. Era uma rotina. Chegava, jogava a pasta, afrouxava a gravata e ia sempre para o jardim monologar com a mãe, nem que fosse por cinco minutos. Fazia isso desde sua adolescência. Evitava os olhos, mas contava detalhes do seu dia-a-dia.

Moravam num sobrado, só os dois. Mãe e filho. Deu uma mordida no sanduíche de pepino e ofereceu a mãe, que mergulhou o pincel em azul Royal. Elogiou a pintura, os cabelos, e as unhas cor de rosa e sujas de tinta. Foi para o banho.

Sentia a água escorrer, lavando todo o cansaço, o tédio e a força. Sentia a coragem escorrendo pelos dedos do pé junto com a espuma do xampu, que lavava corpo, pele e simpatia. O bom humor sintético escorrendo pelos ralos.

Enxugou o corpo, os olhos e refreou a vontade diária de chorar. De pijamas desceu as escadas e voltou para o jardim. A tela estava terminada. Uma Margarida branca afogada no fundo do quadro azul. Com cuidado, acompanhou a senhora, que segurava pincel e paleta na mão até o quarto. Limpou as unhas sujas de tinta, lavou as mãos já enrugadas pelos anos, e os cabelos brancos e longos. Não se olharam.

Arrumou-a na cama, e a cobriu como se fosse pai. E com um beijo na testa se despediu. Voltou para o jardim, recolheu a tela. Era domingo. Levou a obra para o quarto dos fundos.

Era pequeno e alto, muito alto. Cheirava a tinta. Com a luz acesa, podia se ver centenas de quadros azuis que subiam pelas paredes até o teto. Juntos davam a sensação de uma tormenta. Pegou a escada e subiu quase alcançando o teto. Mais um no meio de tantas Margaridas. Colocou em cima de um especialmente belo. Ao sair, agarrou uma tela branca e apoiou no cavalete, pronto para o dia seguinte.

Se sentia cansado, do trabalho e da rotina. Se sentia culpado, mas cumprindo seu dever. Queria se sentir leve, mas para isso precisava perdoar a si mesmo. Na sala, guardou as fotos espalhadas na mesinha de centro em uma caixa branca com um laço de madeira. Todas da irmã, Margarida, que na infância, ele assistiu ser levada no mar.

domingo, 7 de junho de 2009

Banho

Subiu as escadas, entrou no apartamento e acendeu a luz.

Tirou os sapatos, ligou o rádio, foi para o quarto e beijou o marido.

Preparou o jantar, chamou o marido.

Comeram em silêncio.

Lavou a louça, se sentou na sala e esticou as pernas.

Estralou os dedos.

Viu tevê, tirou o esmalte e foi para o banho.

Se enrolou em uma toalha, abriu a caixa, pegou a carta.

Releu-a. Fechou os olhos.

Decidiu-se.

Tirou a toalha, foi para a sala. Levou a caixa.

Colocou ópera, se sentou ao lado do marido e colocou a caixa no colo.

Esperou três minutos.

Abriu a caixa, pegou a arma, deu cinco tiros no marido. Mais um por misericórdia.

Voltou para o quarto, guardou a caixa, se vestiu e foi para a cama.

Dormiu.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Formandos 89

Chegou na festa já tropeçando na porta e atingindo um convidado. Se desculpou pela bebida derramada, e foi de encontro aos antigos amigos. Não reconheceu ninguém. Passou então, a observar a decoração.

Uma mesa comprida com baguetes em quatro sabores diferentes, e ao fundo uma faixa branca que dizia “Formandos – Turma de 89” em letras garrafais vermelhas. Pegou uma taça do garçom que passava e foi admirar o mural de fotos da formatura. O mural ocupava a parede por quase toda sua extensão. Milhares de fotos. Se achou em três. Uma sobreposto por uma mão, outra com as cinco turmas reunidas, e a última de fundo em uma foto de seis amigos que ele não lembrava de ter visto algum dia.

Sentia que não devia ter ido, afinal não via ninguém a 20 anos, e isso não mudara em nada sua vida. Mas a Dra. Helena, psicóloga, disse que seria um bom exercício para que se treinasse a paciência, e para que se abandonasse o excesso de sinceridade que seu chefe mandara tratar.
Os colegas o indicaram a psicanálise com o intuito de transformá-lo em alguém mais delicado. Menos direto. Sua resposta foi que, para que ele não fosse “rude”, como o chamavam, bastava que as perguntas a ele dirigidas fossem pertinentes.

Sentiu uma mão lhe cutucando as costas e se virou com o intuito de sorrir.

- Olá, você não é o João Paulo?

- Sou!

- ...

- Ana Maria?

- Não! Carla..!

- Claro!

- Quanto tempo! – A moça sorriu espontâneo.

- Pois é! – Ele sorriu amarelo pronto.

- E o que anda fazendo de bom? – Essa pergunta, por exemplo, não era pertinente. Era vaga, impessoal e não demonstrava real interesse. Mas ainda sorrindo amarelo respondeu:

- Trabalhando. Muito. – Se recusava a perguntar “e você?”, mas a hora da psicanálise lhe custava cem reais. Então mordeu os lábios relutante. - E você?

- Me formei, logo em seguida me casei e hoje cuido das crianças!

- Está satisfeita?

- Muito! Você se casou?

- Não, ainda não tive a oportunidade – Oportunidade que sinceramente ele dispensava. Se
acreditava muito melhor sozinho.

- Então não teve filhos?

- Não. – Outra pergunta incoerente. Trabalhando sua educação: - E você?

- Tive filhos maravilhosos! Dois. A Maria Alice, que hoje tem 9 anos, e o João Pedro, que hoje
tem 7.

- Que bom! - Se as pessoas daquela reunião se formaram a vinte anos, e o filho mais velho dela tinha 9, o que ela teria feito nos onze anos de intervalo?

- São uns amores! Quer ver uma foto?

- Não precisa. Quer vinho? – Não gostava de fotos de família. Ainda mais se a família não fosse dele. Talvez o que mais o irritasse fossem os sorrisos amarelos prontos.

- Parei de beber logo depois da formatura.

- Parou porque? – Talvez tivesse feito isso durante os onze anos. Parado de beber através de psicologia pesada. Pelo vago que se lembrava de Carla, a última vez que a vira antes da festa foi de sutiã na mesa dos professores na noite de formatura.

- O Jorge não gosta. Conhece o Jorge?

- Acho que não. – As sessões de psicologia lhe diziam que ele deveria perguntar pelo Jorge. E por cem reais perguntou: - Ele está por aqui?

- Sim! Vai ser um prazer para ele ! Jorge! Jorge! Venha cá. Ele te mostra uma foto dos dois!

- Sinceramente, não precisa.

Um homem com a coluna curvada de cansaço se aproximou segurando uma taça de vinho tinto. Bebeu três dedos de vinho em um gole só, e esticou a mão para cumprimentá-lo.

- Mostra uma foto dos meninos pra ele Jorge!

O homem pegou a carteira do bolso e tirou duas fotos de dentro da repartição de documentos. Estendeu a João Paulo, que com desprazer observou.

Ambas eram 3x4, todos ficam feios em fotos 3x4. Mas aqueles dois eram magicamente bonitos. A menina tinha sardas e era levemente ruiva, do tipo irritante e indecifrável. O garoto usava um cabelo provavelmente amassado pelo boné, e uma expressão de traquinas. Ambos com olhos redondos e cor mel.

- Não são umas graças? – A mulher sorriu.

Ele pensou no pessoal do trabalho, na psicóloga, e nos cem reais por sessão. Respirou e respondeu:

- Não.

Ele realmente não achava.

Virou de costas e pôs-se a procurar por fotos suas no fundo de fotos dos outros.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Luzia

- Pedro! Pedro!

- Oi! Tudo bem?

- Tudo! É verdade que você ta namorando?

- É!

- Não acredito!

- Como você sabe?

- O pessoal tava comentando... e faz tempo?

- Ah.. uma duas semanas!

- Ai que lindo! E como ela é?

- Han.. morena, bonita, alta..

- Morena? Achei que você preferisse as loiras.

- Mas com ela é diferente. Um cabelo comprido. Lindo!

- Tipo até a cintura?

- É... tipo até a cintura.

- Ta gostando muito dela?

- Nossa, demais! Casaria com ela, até.

- Mas e se você não gostar mais dela até lá?

- Acho que vou gostar pra sempre!

- Pra sempre é muito tempo.

- Não o suficiente.

- Você não sabe nem se vai estar vivo amanhã.

- Larga a mão de ser pessimista!

- Não é pessimismo. É a realidade.

- Não vou discutir.

- Você nunca discute. Fala mais sobre ela!

- Ela quem?

- A namorada.

- Ah! Não tem como descrever!

- Ela é alta, né?

- É...

- Mais alta que você?

- Um pouco... na verdade, bastante.

- É inteligente?

- Olha, eu tenho que ir. Já estou atrasado e ainda tenho que passar pra ver minha namorada.

Caminhou até o ponto de ônibus da avenida principal e se sentou. Deu uma mordida no seu sanduíche e olhou pra cima. Viu na janela do segundo andar a menina morena e alta, de quem acreditava que iria gostar pra sempre.


"A primeira namorada. Tão alta,
que o beijo não a alcançava.
O pescoço não a alcançava.
Nem mesmo a voz a alcançava.
Eram quilômetros de silêncio.

Luzia na Janela do sobradão."

( Carlos Drummond de Andrade - Órion)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Senhor Girafa

Ele estava lá, no seu primeiro dia vestido de girafa, acenando para os carros que passavam na rua. Agradecia em todos os momentos pelo seu rosto estar coberto com TNT amarelo.

O calor era tão intenso que sentia gotas de suor escorrendo pelas costas, pelo rosto e pernas. Seu braço doía de tanto acenar e a cada carro que passava, pensava em se demitir. Não pediria demissão, não ia desistir tão fácil. Afinal, o que eram alguma gotas de suor?

Na semana anterior, quando recebeu a proposta de garoto propaganda, seu ego foi tanto que aceitou sem maiores detalhes. Afinal sua mãe sempre disse que ele tinha uma beleza exótica. Se imaginou sendo chamado em breve para a São Paulo Fashion Week, e sendo disputado por todas as companhias empreendedoras do país. Imaginou seu glorioso retorno a cidade natal no interior como o novo rostinho do Brasil, e seu pai se redimindo e dizendo que tinha razão de ter ido crescer profissionalmente na cidade grande. Podia ver seu rosto estampado em revistas internacionais, e sendo perseguido por vários fotógrafos. Só não imaginou que seu trabalho de modelo quase internacional envolvesse uma grande cabeça amarela e sorridente de papel machê.

Estava encharcado. Seu rosto grudava no papel, sentia que sua cabeça estava acoplada a da girafa. A pior parte, porém, eram os trenzinhos recheados de crianças uniformizadas, com algumas até penduradas na grade. Quando passavam por ele, as que não riam jogavam restos de lanche, ou gritavam “girafa cabeçuda”. Que chamassem de qualquer coisa, menos de cabeçudo. O tamanho de sua cabeça o infernizava desde a época em que ele passeava nos trenzinhos. Na adolescência, seu apelido era “testa”, ou “cabeça”. O que fazia com que duvidasse de sua beleza exótica. Mas sua mãe o garantiu de que era bonito.

A parte interior da cabeça de machê era justa e fazia com que a cartilagem de suas orelhas encostassem no lóbulo, deixando-o surdo e com orelhas de abano. O peso da cabeça o deixava sem equilíbrio, cambaleando a cada movimento. Sua visão era delimitada pelo sorriso da girafa, tendo assim uma visão frontal, e só. Toda sua visão lateral era preenchida por uma espuma amarelada que lhe causava alergia.

A vontade de pedir demissão era cada vez mais intensa, porém o orgulho era maior. Não se demitiria. Esperaria até ser demitido.

Um garoto passou por aquela rua 7 vezes, a cada vez que passava batia com toda sua força na cabeça amarela. Na sétima vez, ele já estava preparado dentro de sua fantasia, prometendo revidar todos os sete. Cumpriu.

O menino, que não esperava o surto da girafa, ficou sem reação. Tudo o que fazia era gritar. “A girafa cabeçuda está me atacando! Socorro! Perdão, Senhor Girafa! Perdão!”. A cada vez que ouvia as palavras “girafa“ e “cabeçudo”, sentia a adrenalina entregar mais força.

Sentiu uma mão puxar seu ombro com a mesma intensidade que batia no garoto. O dono da loja de carros, para quem trabalhava, o segurava com a ajuda de mais três funcionários.

Quando passou pela entrada espelhada da loja sendo carregado para a sala do gerente, concluiu:

Ficava ridículo de macacão, ainda mais com um círculo bege na barriga. Ficou esperando por cerca de quinze minutos sozinho girando na cadeira de rodinhas. A cabeça da girafa apoiada no colo, e pedaços de papel presos no rosto pelo suor.

O gerente entrou na sala, se sentou com as mãos apoiadas na barriga, e soltou um muxoxo.

Então, depois de uma longa expiração, disse para o rapaz ainda vermelho de raiva, que ele estava exaltado, e que ser garoto propaganda era uma função que exigia muita paciência. O que aparentemente ele não tinha.

O jovem usou todos os argumentos que tinha para se manter ali. Explicou que o garoto tinha batido na grande cabeça sete vezes, e que o sol do meio dia fazia-o parecer uma torneira. Disse também que precisava do dinheiro, que queria muito continuar como garoto propaganda. Contou dos trenzinhos escolares, detalhou os lanches que foram arremessados, e tinha mais meia hora de argumentos prontos. O chefe sorriu e o interrompeu, finalmente dizendo que ele deveria tentar mais uma vez no dia seguinte. A felicidade se instalou por todo o corpo do garoto, que sentia agora uma adrenalina muito diferente da que antes ele sentira. Até que o chefe complementou: “todos que vestiram a fantasia disseram que a cabeça da girafa ficava pensa, por ter um interior muito largo. Você deveria agradecer por ter uma cabeça deste tamanho”.

O garoto se Levantou, e enchendo a boca de prazer olhou para os olhos vermelhos e redondos do seu novo chefe, sentindo todo o fervor que as palavras “grande” e “cabeça” combinadas lhe causava deixou seu orgulho se esvair como em uma descarga. Respirou fundo, e da forma mais teatral que encontrou, se demitiu.

Ninguém o faria duvidar de sua beleza exótica.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Décimo sétimo andar.

Adorava assistir a cidade debruçada na janela do décimo sétimo andar de seu novo apartamento na Guanabara. O apartamento, ainda sem móveis, fora comprado com o fruto de vários anos de trabalho. Ligou o rádio, único na sala de três ambientes, e começou a ouvir Vinicius de Moraes.

Um dia teria uma coleção de discos de vinil.

Pensava em suas realizações, graduações, congressos, mestrado, doutorados, e tudo o que continha no seu currículo impecável. Era uma das poucas pessoas de sua idade com tantas especialidades. Iria casar e ter filhos assim que terminasse seu pós-doc. Queria filhos num condomínio arborizado, em uma casa sem muro, mas isso seria para quando estivesse estabilizada profissionalmente.

Decidiu abrir uma garrafa de vinho. E se sentou no parapeito para continuar a olhar a cidade que pulsava.

Pensou sobre a efemeridade da vida. Adorava essa palavra: “efêmero”. Sentia a boca encher quando pronunciada. A vida era efêmera, rápida. Mas ela acreditava ter vivido seu melhor até então. Seguindo sempre o lema de seu pai: “Primeiro trabalho, depois diversão”.

No futuro iria se aposentar e mudar para a praia, se sentia livre na água do mar.

Não entrava no mar desde a adolescência.

Queria fazer trilhas, nadar em cachoeiras, aprender a andar de bicicleta, e a jogar naco imobiliário com os filhos que um dia iria ter. Quando sua aposentadoria chegasse, queria tirar semanas para ficar deitada em uma rede e ler todos os livros do seu autor preferido. Esperava ansiosamente o tempo de trabalho passar, para que então pudesse ter tempo para si mesma.

Se orgulhava de seu sucesso profissional, se orgulhava de ter sido o futuro promissor da família, e de ter transformado sua empresa de advocacia em uma das maiores do Rio de Janeiro. Mas ainda assim queria as coisas simples. Encheu outra taça de vinho

Queria estar acompanhada na sua taça de vinho, e que fosse dormir acompanhada por alguém que lhe trouxesse café da manhã na cama no dia seguinte. Teria isso. Em breve, tudo dependia do tempo. Outra vez encheu sua taça de vinho.

Sua maior vontade era saltar de pára-quedas, queria sentir a força de um vento que levaria consigo o falso sorriso que usava estampado no trabalho. Abriria os braços e as pernas para aumentar a permanência no ar. Para que o vento a atingisse por inteira. Queria realmente sentir a liberdade. Faria uma tatuagem em homenagem aos filhos que um dia iria ter. Tomou outra taça de vinho, e caiu. Sentiu-se realmente livre. Por 17 andares.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

No supermecado.

- Oi filha, desculpa te ligar durante a aula.

- Não pai, eu já sai da sala. Diga.

- É que eu to no supermercado, na seção de absorvente, e queria saber qual que voce quer. Se é o azul e verde, ou o azul e roxo.

- É o laranja. Da Always.

- Tem um que chama Sempre Livre.

- Always, pai. O único que deve ser laranja.

- De repente é tudo laranja. Always não é sempre em inglês?

- É.

- Então! Sempre Livre e Always! É igual.

- Não é a mesma marca.

- As vezes é pra estrangeiro.

- Não, nesse caso não é.

- Tem certeza?

- Sim.

- Tem um Sym.

- Então pronto! Pega dois pacotes.

- Não, a marca chama Sym.

- Sim?

- É. Mas é com ypsolon.

- Não, pai, Sym não.

- Sim.

- Não!

- Não, agora eu tava concordando. Achei a parte do Always, e achei o laranja.

- Lê o que está escrito no pacote, pra eu ver se é esse mesmo.

- Always, básico. Suave como algodão acetinado, Suave..

- Pai , esse é o amarelo.

- Como voce sabe?

- O laranja tem malha seca.

- Não é tudo igual?

- Não, pai, é diferente.

- Por isso que muda a cor?

- É, pai. Achou o laranja?

- Marina, não existe laranja. Eu vou pegar o amarelo não serve?

- Não, pai!

- Já tá me irritando, Marina! Depois você vem comprar sozinha.

- Pai! Você já tá ai! Pega o laranja da Always!

- Porque voce não vem você!?

- Se chama Lei do Mínimo Esforço.

- Se chama comodismo , Marina!

- Pede ajuda pra moça que usa a blusa do "Posso te ajudar?"

- Vou pedir. Espera na linha.


- E ai?

- Só tinha um moço com a camiseta do "Posso te ajudar?".

- E ai? Ele achou?

- Ele não tinha a menor noção do que eu estave pedindo.

- E então?

- Foi chamar a gerente, porque ela é mulher.

- Que vergonha, pai!

- Eu que o diga , Marina, eu que o diga. Que escândalo por uma coisa tão superficial!

- Não é você que usa!

- Justamente! Consequentemente, não deveria ser eu quem compra!

- Você tá gritando comigo a toa!

- Você também!

- Você devia tomar floral.

- Você devia comprar seus próprios absorventes!

- Abandona a causa então! Vai embora, e depois me deixa sentada na palha!

- O que tem a ver a palha com o absorvente!?

- As mulheres antigamente, quando não tinha absorvente, ficavam sentadas na palha.

- Uma semana?

- Enquanto durasse, ué.

- Espera que a gerente chegou.


- E ai? A moça voltou?

- Tá vindo.

- De patins?

- Não, de roller.

- Patins é roller.

- Não é não.

- É sim.

- Eu andei de roller minha vida inteira.

- Então qual a diferença?

- Roller são 4 rodas uma atrás da outra, e patins são 4 rodas duas a duas.

- han... faz sentido.

- Chegou o absorvente. Tem um pacote só.

- Tudo bem. Obrigada.

- Beijos.

- Boa aula.


- Pai? desculpa ligar de novo... mas você viu se é com abas?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Pimentinha.

- Alô?

- Oi Ana! É a Keka, tudo bem?

- Tudo e ai?

- Tudo bem, também. Você tá muito ocupada ou pode falar?

- To um pouco ocupada sim, é rapido? Se não eu te ligo quando sair do escritório...

- Não, é meio rápido sim. Na verdade queria pedir sua opnião. É sobre a Pimentinha.

- Tua gata?

- É. Eu acho que ela é muda.

- Muda? Existe gata muda?

- Não sei, deve existir. Existe gata cega.

- Procura no Google.

- Será que tem?

- Outro dia eu procurei sobre fibras da batata, e tinha todo um mestrado sobre.

- Fibras da batata? Que ser humano normal faz um mestrado sobre fibras da batata?

- John Finningham era o nome do cara. Keka, depois te ligo que vou terminar uns selos.

- Ok, passa aqui antes de ir pra casa. Acho mesmo que a Pimentinha é muda.

- Tá. Beijos

- Me liga!



- Porque você acha que ela é muda?

- Ela não mia!

- Claro que mia! Todo gato mia!

- Gato só mia quando tá com fome.

- Onde voce viu isso?

- No Google, hoje de manhã.

- Tenta deixar ela com fome, ué.

- É maldade!

- É. Qual o problema de ela ser muda?

- Comprei uma gata pra ouvir o miado.

- Estranho.

- A gata não miar?

- Não, você comprar uma gata pra ouvir um miado.

- Acho que vou levar ela no veterinário.

- Acho que você devia deixar ela com fome.

- Quanto tempo?

- Uns dois dias.

- Quer um café?

- Han... sim.

- Açúcar ou adoçante?

- Adoçante. E se você comprasse um passarinho?

- Passarinho não mia.

- Mas canta.

- É, ia ser bacana.

- Compra um periquito!

- Ou uma calopsita!



- Alô?

- A calopsita canta.

- Eu disse!

- Mas ainda quero um gato que mie.

- Deixa a Pimentinha com fome!

- Eu tenho dó.

- Mas são só dois dias, e além do mais, ela tá meio gordinha mesmo.

- Vou pensar. Depois te ligo.

- Beijos.



- Alô?

- A calopsita morreu!

- E agora!?

- Agora não tem nem canto, nem miado.

- Desiste e compra um CD.

- De canto de calopsita?

- Não! De miado de gata.

- Existe?

- Procura no Google.

- Vou procurar.

- Mas, o que aconteceu?

- Segui o seu conselho.

- Qual dos?

- Deixei a pimentinha com fome.

domingo, 3 de maio de 2009

Ciso.

- Doutora, dói quanto pra extrair os dentes?

- Com a anestesia não dói nada. É rápido.

- E a anestesia? dói quanto pra ser aplicada?

- Dói pouco, uma picadinha.

- Tipo de pernilongo?

- Abre a boca e fala "a".

- A.

-Hoje a gente tira dois, ai daqui umas três semanas a gente tira o resto, tudo bem?

- Ahã.

- Pode fechar a boca enquanto eu esterilizo o material. E fica tranquila que a operação é super simples.

- Tá. Você se importa se eu ficar de olhos fechados durante a operação? Não quero ver os instrumentos e tal.

- Até pode, mas os aparelhos não são assustadores.

- Nada contra a senhora, mas tenho um trauma de dentistas. Só de ver essa cama que sobe e desce, me vem a mente torturas medievais.

- Eu vou fazer a operação de forma calma. pode relaxar. Primeiro eu vou pegar esse bisturi e fazer um corte na gengiva, até chegar bem perto de dente..

- Sério, não quero maiores detalhes. Você tem grande experiência com extrações?

- Abre a boca de novo.


- Meire, pega o alicate maior pra mim?

- Tá esterilizando, Doutora?

- Tá em cima da mesa.

- Já tá esterilizado?

- Deve estar.

- Tehn cerntehza?

- Não mexe a boca. Senão, eu acabo te machucando.

- Esse é dos grandes mesmo.

- É, e o pior é que tá quase de ponta cabeça. Não tem apoio pra puxar o dente.

- Meu Deus, Doutora. Vai arrancar a arcada dentária da menina!

- Vou tentar com o alicate maior agora. Se doer você avisa. Mas não vai doer, porque tá anestesiado.

- Pode sugar a boca, Doutora?

- Pode e me empresta a broca que eu tive uma idéia. Agora esse gigante sai! Quando disser "já" eu puxo.

- Vai devagar, Doutora.

- Quieta Meire. Já!


- Saiu?

- Ainda não, Meire. Esse ciso está levando para o lado pessoal! Testando minha capacidade como profissional. Vamos tentar de novo, fazendo uma alavanca.

- (Abro os olhos. Consigo ver olhos de prazer, ela se deleita com a minha extração. As pupilas estão dilatadas! Pára com isso! Pára!) Ta hoehndo ! Ta hoehndo! (Os olhos dilataram mais!)

- Só um minutinho, que agora é crucial. A gente já anestesia de novo. Deixa só eu colocar aqui e agora me empresta a broca!

- Calma, Doutora!

- Pega o.. o.. que parece um martelo e suga o excesso da boca.

- Pego Doutora, mas cuidado com a boca da menina!

- Ta hoenndo!

- Obrigada! Me passa o alicate!

- Doutora, não ensinaram isso na faculdade! Meu Deus! Não posso olhar!

- Pega gaze! gaze!

- Ta hoehndo ahindha!

- Pega a injeção da anestesia.

- Que dose que prepara, Doutora?

- A menor, se não o próximo fica sem anestesia.

- Ai, valha me Deus Doutora!

- Verifica se a porta tá trancada!

- Pra quê, Doutora!? A senhora acha que a menina não aguenta!? Imagina se alguém acha o corpo!

- Não, Meire! Não fala bobagem! Preciso de um apoio pra poder puxar aqui.

- Oque que a senhora pretende!?

- Dar impulso! você me desculpa por a perna por cima de você, garota, prometo não sujar sua roupa com o sapato.

- Doutora, é uma extração, não uma acrobacia!

- Vou puxar no três!

- Ta hoehndo ! Ta hoehndo nuinto!

- Um... Meire, não se abaixa!

- Desculpa, Doutora.

- Dois... Suga o excesso da boca! e TRÊS!

- UTAH QUE PFAHRIU!



- Como assim, Doutora?

- Nós vamos marcar um retorno.

- Mas a senhora apoiou o pé na porta!

- Querida, aquilo foi método odontológico. É super valorizado nas melhores universidades.

- Não foi o que a Meire disse.

- Por isso que ela é a assistente, e eu sou a dentista.

- Doutora eu não vou voltar.

- Foi porque eu deixei uma pegada na sua blusa?

- Não, Doutora, mas eu não vou voltar.

- Mas o dente não saiu!

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Seu Jonas.

- A minha mãe tá dando aula ela não vai atender o celular agora.

- Mas sem a autorização da mãe, a gente não pode liberar a saída da senhora.

- Olha o meu tamanho!

- Me desculpa, minha senhora. Sem autorização a senhora continua aqui dentro.

- Seu Jonas, se eu perder o ônibus, o senhor vai me levar pra casa. E olha que eu moro muito, muito longe.

- Minha senhora, eu não posso te levar pra casa. A senhora quer falar com a Dona Mirtes?

- Ela vai resolver o problema?

- Eu não sei, minha senhora. Vai naquela sala a direita, e conversa com ela. Se ela deixar, pede pra ela avisar pelo radio que eu deixo a senhora sair.



- Dona Mirtes, eu já acabei de fazer prova. Preciso ir embora e o seu Jonas da portaria não quer me deixar sair.

- Porque não?

- Não tem autorização.

- Vamos ligar pra sua mãe, e ela autoriza você sair.

- Dona Mirtes, minha mãe ta dando aula e não vai atender o celular agora.

- Tem que esperar então. Sem autorização eu não posso deixar você sair.

- Se eu perder o ônibus, a senhora vai me levar pra casa. E olha que eu moro muito, muito longe.

- Sei... eu tenho muita coisa pra fazer, muito trabalho pra terminar ainda hoje. Então me deixa trabalhar enquanto a aula da sua mãe não acaba, tudo bem?

- Tudo Dona Mirtes.

- ... Mas... só tem um ônibus?

- Tem um em quinze minutos, e outro só cinco horas da tarde. Me ajuda Dona Mirtes! Eu não posso acampar na escola. Eu preciso ir pra casa! Nunca tive problema com isso.

- São regras novas do colégio, a gente avisou durante a semana.

- Mas só tem eu, a senhora e o Seu Jonas na escola! Quer saber? É vingança do Seu Jonas!

- Porque vingança?

- Porque ele tem que trabalhar sábado.

- O Seu Jonas não parece guardar rancor.

- Ah... Dona Mirtes tava vendo na televisão uma reportagem de sociopatas, eu da senhora tomava cuidado.

- Será? Ele é sempre tão gentil.

- Assim que ele conquista as vítimas...

- ...

- Por favor Dona Mirtes!

- Olha, isso é atípico, só vou autorizar porque se não o Seu Jonas guarda rancor.

- Obrigada, Dona Mirtes ! Até segunda!

- Não ! Volta aqui! Eu vou junto com você.

- Mas e o trabalho, Dona Mirtes?

- Deixa pra quando o Seu Jonas tiver de folga.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Imprevisivel.

Não sei explicar com palavras, o que penso, o que sinto e o que sou. Acho que se super-estima o homem que tenta definir vidas com palavras. Viver é algo além das limitações do dicionário, é algo que não se analisa nem morfológica nem sintaticamente, nem se explica como fazer. Viver é algo que se aprende. Não acho que com pequenos agrupamentos de letras eu abranja toda a magnitude do ser. Não importa o que digam, o ser humano vai sempre além. E a cada dia nos surpreendemos com os outros , mas principalmente nos surpreendemos com nós mesmos. O que somos hoje, não é o mesmo do que seremos amanhã. Portanto, não me peça pra dizer quem sou.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Sem título.

Talvez não esteja no ápice da minha felicidade, estou menos engraçada, menos espontânea, menos viva. Acho que o que eu sinto é uma mistura de frustração com vergonha e realidade.

Realidade nua e crua.

A humanidade é desumana. Mas é real.

O ser humano é estúpido.

A cada dia a sociedade nos dá uma porrada. Que faz a gente abrir um pouco mais os olhos, acordar pro mundo cada dia mais. E quanto mais a gente vê mais a gente se frustra. Acho que as pessoas que fecham os olhos sofrem menos, e são mais felizes. Mas o preço para ser feliz é a ignorancia e o descaso. Acho que prefiro sofrer.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Glote.

Nunca acreditei em sensação que vire algo físico. Como algum sentimento que de tão intenso chegue a doer seu estomago, ou alguma frustração que te faça contrair.. Isso sempre foi balela.

Até ontem.

Dor, segundo meu dicionário da quarta série, significa: "magoa; aflição, dó; condolência; remorso; vontade de arrancar seu estômago no meio do salão do clube socialite que você sabia que não devia ter ido." Achei que se encaixava bem ao que eu senti.

É algo incontrolável, uma dor de gritar, gritei até a minha glote se desintegrar, me contraí tipo quando a gente dobra num ângulo de 90 graus, e volta pro 180 repetitivamente. Entrei em transe. Queria ir pra casa. Me teletransportar, ligar o ar condicionado da sala, pegar um edredom, um pote de 2 litros de sorvete Kibon sabor flocos, e ser dissolvida nas minhas lágrimas.

Por mais que eu tentasse pensar em como aquele problema era insignificante comparado com a fome na áfrica, o desemprego no Brasil , ou que eu poderia estar com uma infecção letal, isso não amenizava o impacto. Durante os quase 15 minutos que eu me remexi no meio do salão, os gritos e torções fizeram sentido.

Quando acordei do meu transe e olhei ao meu redor, percebi que eu tinha provocado uma clareira no meio do salão, que lentamente se expandia.. percebi também que o meu super hiper luper truper mega plaster grito com efeito hollywoodiano não se propagou porque a música do salão estava muito alta. E que para as pessoas a minha volta eu não passava de uma garota estranha se contorcendo com a boca aberta e cara de dor de barriga que se curvava num cumprimento hindu repetitivo. Me senti em um filme estilo charles chaplin, que só tem trilha sonora.Além de tudo, estou rouca.

O bom é que a gente tem amiga que acompanha. E enquanto você ta travada elas te levam pra beber roller, porque é de graça.

A conclusão pós domingo de carnaval é que não importa gritar alto se ninguém pode te ouvir. E também que humilhação pública em alguns casos não compensa. Uma outra foi perceber que nossas frustrações são geradas por nós mesmos,nós que esperamos o que os outros não podem dar. E para terminar, um dos meus queridos clichês: Decepção não mata, ensina a viver.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Histórias da vida.

Ouvi meu professor dizendo que as histórias da vida só começam no terceiro colegial.

Discordo.

Posso narrar inúmeras histórias engraçadíssimas, só de sentar em frente ao computador.. histórias que acontecerem durante todos os outros anos da minha vida.. como o dia em que eu coloquei um espuma de almofada no nariz e minha mãe descobriu dias depois, ou o dia do episódio "sushi" ( se eu contar essa história, as chances de eu não acordar amanhã são extensas), também a sexta feira em que eu e a eva decidimos voltar da escola a pé pra casa (minha escola fica uns 10 km do nosso condomínio, sem maldade), o churrasco na casa do pedro, o churrasco na casa da bruna, o dia da badden e da pizza, da escova presa no cabelo, e teve a vez que eu fui pra praia com uns amigos e o carro quebrou na praia, e viajando um pouco mais no passado teve o episódio da vaca que tomava toddy.

Cada dia que vivemos monta a nossa vida, e as histórias nao precisam ser épicos, e sim coisas pequenas que involuntariamente ficam na nossa mente.

Frases, reações.. como o restaurante "+kid+" (que nome tosco).
as histórias da vida nao tem data pra começar, ou período de duração. Elas simplesmente existem.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Eu tento

Eu tento, eu juro que eu tento, no primeiro dia: dei água e comida pro cachorro e levei pra passear, limpei o xixi da sala porque eu sei que ele lá deixa ela profundamente irritada, arrumei a sala, limpei o meu quarto, agüei as plantas, lavei a louça, troquei o lixo da pia, limpei o fogão, enchi as garrafas de água, desliguei a teve, e o aparelhozinho do canal a cabo, o computador, lavei as calcinhas, troquei o lixo do banheiro, passei pano na sala, troquei a posição dos móveis da varanda como ela pediu, não briguei coma minha irmã (que ela tenha visto), não liguei enquanto ela trabalhava, resolvi tudo por mim mesma, a noite fiquei com ela até pouco antes de ela ir dormir, voltei super cedo pra casa, não bebi, não dei trabalho, não sai do condomínio.

No segundo dia: dei água e comida pro cachorro e levei pra passear, limpei o xixi da varanda porque eu sei que ele lá deixa ela profundamente irritada, arrumei a sala, arrumei o meu quarto, quase matei as plantas afogadas, comi a beterraba que ela cozinhou, desliguei a teve, e o aparelhozinho do canal a cabo, o computador, guardei as calcinhas, não briguei coma minha irmã, não liguei enquanto ela trabalhava, resolvi tudo por mim mesma, e quando chegou seis horas da tarde fui ao cinema (!!!) . E pra ser simpática deixei um bilhete: “Mãe, fui ao cinema com a Mônica e a irmã dela pra assistir BOLT o supercão hahaha. Beijos” e quando eu cheguei em casa as oito horas da noite ela olhou pra mim e disse: você não lavou a louça!