Quer ler o que?

domingo, 20 de março de 2011

Lavou o rosto com angústia e buscou a camisa, emprestada do patrão, na cadeira. Sentiu o algodão, que corria por seus braços e passou os botões por dentre o tecido listrado. Vestiu a calça social cinza, comprada para o enterro do pai, e na falta de cinto formoso, usou um cadarço amarrado a outro. Vestiria sempre o paletó.

Vestiu o pé com meias esportivas tingidas com anilina preta, e por cima os sapatos formais que ganhara do tio. Provavelmente o veria. Pegou a gravata azul, comprada para a ocasião, e passou ao redor do pescoço.Deu um nó com perfeição e o deixou frouxo. Não gostava do nó tocando a garganta. Puxou, pelo colarinho, o paletó que antes estava cuidadosamente dobrado e saiu.

Checou os bolsos por dinheiro para o ônibus e caminhou em direção ao ponto, vestindo o paletó. Duas horas mais tarde, desceu em seu ponto final, em frente ao velório da Paz. Ficou ali, parado, olhando para a porta que descascava tinta branca, revelando a madeira levemente apodrecida.

Adentrou as paredes amarelas que formavam o corredor. As salas por quais passava, transbordavam dor e angústia. Assim como ele. De certa forma, a “transbordância” dos outros fazia com que sentisse melhor. Parou. Estava em frente a uma placa que indicavaa sala G. Subiu o nó da gravata, engoliu o nó na garganta e entrou. Chorou ao ver sua mãe, pálida como nunca fora.

3 comentários:

  1. Não sei agir com perdas, nunca soube. Talvez por isso tenha me sentido angustiada enquanto lia.
    Muito bom, Julia!O nó na gravata parece até brincadeira, perto do nó da garganta.

    (Engraçado como a dor dos outros conforta a nossa de certa forma...nunca tinha pensado nisso, só tinha sentido)

    Que bom que voltou a postar!

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  2. Acho uma ironia gigantesca uma escritora como você elogiar um texto meu.

    Obrigada por ler e não ter tido a tal preguiça de comentar; deve saber o quanto é especial o reconhecimento de desconhecidos!

    Acompanhando seus textos E gostando muito!

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  3. Não sei se já lhe agradeci,mas não faz mau repetir.Obrigado por escrever PRINCIPALMENTE sobre este "Nó" que prende e cala muita gente,me dá satisfação ler isto,enfim,bela.

    abraço !

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