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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Cala-te

No início, tudo era dito abertamente, as palavras eram claras e bem projetadas. Todos esbanjavam dicção e contavam sobre todas as coisas que coubessem em palavras.

Contava-se sobre o vizinho, a escola e a festa da semana anterior. Mães se gabavam de suas crianças, funcionários criticavam os salários, chefes reclamavam da conversa e do rendimento baixo do trabalho. E tudo era dito abertamente.

Ele achou estranho o dia em que o volume das vozes começaram a baixar. Os comentários pareciam mais secretos, a exibição de méritos infantis se tornaram mais hostis. Não sabia se seguia o grupo e abaixava o tom de voz ou se mantinha o tom normal, só pra ser diferente.

A cada dia as conversas se tornavam mais cochichadas, e sem perceber se tornaram sussurros quase impossíveis de se identificar. Os comentários eram sibilados lábio afora. As histórias se tornavam difíceis de entender e involuntariamente, ele também se calou.

Quando imerso em silêncio notou que não só as pessoas, mas a cidade havia se calado. Não se ouvia o ranger dos motores, nem as buzinas dos atrasados, nem os pássaros no fim da tarde.

A cidade pulsava em vibrações, mas não em sons. E ele então percebeu que os lábios alheios continuavam seus movimentos, mas as palavras não escapavam. Dentes à mostra sem os sons das risadas. E então, em imensa perplexidade descobriu que não havia mistérios, nem cochichos. Ele havia ensurdecido

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