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domingo, 20 de outubro de 2013

Amélia

Pensava sobre a vida e consequentemente sobre a morte. Olhou uma foto com sete pessoas, das quais cinco haviam morrido. Ela não estaria olhando as fotos sem a existência dessas pessoas, afinal eram seus avós e bisavós. Pensou sobre o que se constrói enquanto se vive, além de herdeiros, o que haviam construído em suas vidas?

O que fizeram no decorrer dos anos que realmente era essencial, que realmente significava algo perante o mundo ou perante a vida espiritual? E logo se questionou, o que ela teria feito em seus anos de vida para mudar o mundo, ou a si própria a ponto de essa mudança ser fundamental? Além das relações que estabelecera com as pessoas com as quais encontrou pelo caminho não conseguia pensar em nada com essência, em nada grandioso. Não havia nada fundamental em suas realizações, nada que outra pessoa não poderia ter feito, as pessoas que conheceu poderiam ter conhecido outra em seu lugar sem nunca saber que na realidade existia uma outra, ela, para conhecerem. E provavelmente continuariam vivendo sem saber e sem sofrer por isso.

Pensou quais as realizações que poderia fazer pra realmente mudar o mundo, e então se deparou com o fato que as grandes descobertas só mudavam o mundo terreno, mudavam a vida numa cidade, dentro de um estado, dentro de um país, dentro de um continente, dentro do mundo, dentro de um sistema, dentro de uma galáxia, dentro do universo. Lembrou dos momentos em que se viu grande. Em que se sentiu grande, sentiu que tinha poder nas mãos e viu que a grandiosidade e o poder eram ínfimos perante o todo.

Mesmo se ela conseguisse mudar o mundo, ainda era pouco. O mundo era muito pequeno comparado ao que era conhecido pelo homem, imaginou quão ínfimo seria quando comparado com o que não estava no hall do conhecimento. Lembrou que era só uma menina, filha de um casal, deitada em sua cama e fugindo de seus problemas. Percebeu que era só mais uma no meio de uma multidão que se achava incrivelmente diferente entre si, percebeu que a singularidade era uma qualidade universal, logo não era singular. Todos eram diferentes, todos achavam que tinham uma visão esclarecida do mundo, todos carregavam suas verdades. Ou a verdade não existe, ou existem tantas, mas tantas, que na realidade não são verdades, mas sim opiniões.

Uma tristeza e uma conformidade a invadiu, uma conformidade que mesmo o máximo não seria suficiente, uma vontade de entender a insatisfação, a impotência perante o mundo e as coisas que realmente importam e que ela não sabia quais eram.

Se estudasse, e tivesse um bom emprego, um marido bom, e dois filhos prodígios, seria um sucesso. Mas um sucesso no conceito de quem? Quem ditava as regras? Quem determinou o que era ser bem sucedido, ou o que era bonito, ou funcional, ou importante?

Pensou na mídia, no poder da televisão e das propagandas como determinantes nas escolhas ‘pessoais’ no ‘poder de escolha’ dado a cada um, um poder de escolha que era vendido como livre, mas na realidade era controlado, pensou em um exemplo e se deparou com as ruas. Para chegar do ponto A ao ponto B existem inúmeros caminhos, logo as pessoas acreditam no seu poder de escolha de seus caminhos, mas na realidade, as ruas que podem te levar até o ponto b são determinadas pelo governo, pelo estado, logo não é tão livre assim, o mesmo se encaixava para roupas, comidas e, porque não, cosméticos.

E então pensou no amor e na felicidade. O amor que era uma invenção do fim do século passado. Antes dos românticos, ninguém casava por amor. O amor era inexistente, e o casamento um negócio, um acordo, um contrato. Aprofundando o pensamento o amor não era o produto principal. A felicidade sim, a felicidade era o que todos almejavam, e todos queriam consumir produtos que trouxessem a felicidade. Produtos, do Pão de Açúcar que é lugar de gente feliz, uma Coca-cola gelada que brindava a felicidade e o amor, que vivia feliz pra sempre.

Mais uma vez percebeu que não era singular, que vivia dentro de um sistema, onde as opções e os conceitos eram formulados pra que todos se acreditassem únicos, se acreditassem livres. Foi dormir.

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