Era verde, pesado e sem título. Olhei para o alto e vi um seqüência de lombadas que alcançavam o rodapé do teto abobadado. Escadas sobre rodas correndo pelas estantes, e eu ainda pequena, segurando o livro reencapado por um couro esverdeado, olhava para o alto imaginando a altura do dito rodapé.
A bibliotecária, dois metros acima de mim, procurava por alguma história que pudesse me interessar.Ao meu lado, um menino de boné laranja e feição traquinas, se esquivava entre a escada e a estante em busca de um relance de pecas intimas ou meias sete oitavos por entre as pernas da loira.
Bibliotecárias Municipais não deveriam usar saias.
Ela desceu com leveza, e sorrindo de um modo estúpido disse: “Querida, achei vários que você poderia gostar. A Branca de Neve, Cinderela, A Bela Adormecida! Todos de princesas! Não seria bacana ser uma princesa?”
Olhei para a capa verde em minhas mãos, e em seguida para a loira sorridente nada persuasiva: “Não. Vou levar esse mesmo". Ela tentou argumentar, convencer, persuadir. Mas, eu estava decidida a levar o livro verde. Aluguei, com o prazo de uma semana para devolução.
Sai da biblioteca, atravessei a rua pela faixa de pedestre olhando para os quadris que também a atravessavam, e me sentei no primeiro banco da praça central.
Senti o cheiro de pagina amarelada exalado quando folheei o livro. Era bem cuidado, antigo e com bordas cobreadas.
Abri a capa, a página do titulo tinha sido arrancada. Pulei a introdução. Estava sedenta. Tinha lido até então somente histórias curtas, de poucas paginas e muitos desenhos.
Naquela manhã, porém, acordei decidida a ir a biblioteca municipal ao lado da minha casa e alugar uma história grande. Tinha tudo planejado.
Esperei minha mãe sair para o trabalho e me esquivei sorrateira. Teria que voltar antes das quatro.
Passei o sumário, cheguei ao capitulo um, li o título e hesitei. Prossegui. Fechei o livro após o primeiro parágrafo. Passei a encarar o couro. Atravessei a rua e chamei pela loira sorridente.
Ela me olhou compreensiva e estendeu os braços esperando o livro para a devolução. Pedi um dicionário, e dessa vez me sentei na biblioteca.
Demorei quinze minutos para ler e entender os dois primeiros parágrafos. Chamei pela moça loira, devolvi o livro verde recebido com um sorriso de satisfação, aluguei Cinderela e naquele dia decidi que nunca mais tentaria ler Machado de Assis.
eu tb desisti de Machado, mas o feladaouta me perseguiu no colegial e na faculdade de Letras. Tenho toda uma tese contra ele... rsrs
ResponderExcluirSó li Machado aos 21. Sue me! :D
ResponderExcluirQue delicia de texto.Dia desses o Machado lerá você.
ResponderExcluirJoao Oravio