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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Senhor Girafa

Ele estava lá, no seu primeiro dia vestido de girafa, acenando para os carros que passavam na rua. Agradecia em todos os momentos pelo seu rosto estar coberto com TNT amarelo.

O calor era tão intenso que sentia gotas de suor escorrendo pelas costas, pelo rosto e pernas. Seu braço doía de tanto acenar e a cada carro que passava, pensava em se demitir. Não pediria demissão, não ia desistir tão fácil. Afinal, o que eram alguma gotas de suor?

Na semana anterior, quando recebeu a proposta de garoto propaganda, seu ego foi tanto que aceitou sem maiores detalhes. Afinal sua mãe sempre disse que ele tinha uma beleza exótica. Se imaginou sendo chamado em breve para a São Paulo Fashion Week, e sendo disputado por todas as companhias empreendedoras do país. Imaginou seu glorioso retorno a cidade natal no interior como o novo rostinho do Brasil, e seu pai se redimindo e dizendo que tinha razão de ter ido crescer profissionalmente na cidade grande. Podia ver seu rosto estampado em revistas internacionais, e sendo perseguido por vários fotógrafos. Só não imaginou que seu trabalho de modelo quase internacional envolvesse uma grande cabeça amarela e sorridente de papel machê.

Estava encharcado. Seu rosto grudava no papel, sentia que sua cabeça estava acoplada a da girafa. A pior parte, porém, eram os trenzinhos recheados de crianças uniformizadas, com algumas até penduradas na grade. Quando passavam por ele, as que não riam jogavam restos de lanche, ou gritavam “girafa cabeçuda”. Que chamassem de qualquer coisa, menos de cabeçudo. O tamanho de sua cabeça o infernizava desde a época em que ele passeava nos trenzinhos. Na adolescência, seu apelido era “testa”, ou “cabeça”. O que fazia com que duvidasse de sua beleza exótica. Mas sua mãe o garantiu de que era bonito.

A parte interior da cabeça de machê era justa e fazia com que a cartilagem de suas orelhas encostassem no lóbulo, deixando-o surdo e com orelhas de abano. O peso da cabeça o deixava sem equilíbrio, cambaleando a cada movimento. Sua visão era delimitada pelo sorriso da girafa, tendo assim uma visão frontal, e só. Toda sua visão lateral era preenchida por uma espuma amarelada que lhe causava alergia.

A vontade de pedir demissão era cada vez mais intensa, porém o orgulho era maior. Não se demitiria. Esperaria até ser demitido.

Um garoto passou por aquela rua 7 vezes, a cada vez que passava batia com toda sua força na cabeça amarela. Na sétima vez, ele já estava preparado dentro de sua fantasia, prometendo revidar todos os sete. Cumpriu.

O menino, que não esperava o surto da girafa, ficou sem reação. Tudo o que fazia era gritar. “A girafa cabeçuda está me atacando! Socorro! Perdão, Senhor Girafa! Perdão!”. A cada vez que ouvia as palavras “girafa“ e “cabeçudo”, sentia a adrenalina entregar mais força.

Sentiu uma mão puxar seu ombro com a mesma intensidade que batia no garoto. O dono da loja de carros, para quem trabalhava, o segurava com a ajuda de mais três funcionários.

Quando passou pela entrada espelhada da loja sendo carregado para a sala do gerente, concluiu:

Ficava ridículo de macacão, ainda mais com um círculo bege na barriga. Ficou esperando por cerca de quinze minutos sozinho girando na cadeira de rodinhas. A cabeça da girafa apoiada no colo, e pedaços de papel presos no rosto pelo suor.

O gerente entrou na sala, se sentou com as mãos apoiadas na barriga, e soltou um muxoxo.

Então, depois de uma longa expiração, disse para o rapaz ainda vermelho de raiva, que ele estava exaltado, e que ser garoto propaganda era uma função que exigia muita paciência. O que aparentemente ele não tinha.

O jovem usou todos os argumentos que tinha para se manter ali. Explicou que o garoto tinha batido na grande cabeça sete vezes, e que o sol do meio dia fazia-o parecer uma torneira. Disse também que precisava do dinheiro, que queria muito continuar como garoto propaganda. Contou dos trenzinhos escolares, detalhou os lanches que foram arremessados, e tinha mais meia hora de argumentos prontos. O chefe sorriu e o interrompeu, finalmente dizendo que ele deveria tentar mais uma vez no dia seguinte. A felicidade se instalou por todo o corpo do garoto, que sentia agora uma adrenalina muito diferente da que antes ele sentira. Até que o chefe complementou: “todos que vestiram a fantasia disseram que a cabeça da girafa ficava pensa, por ter um interior muito largo. Você deveria agradecer por ter uma cabeça deste tamanho”.

O garoto se Levantou, e enchendo a boca de prazer olhou para os olhos vermelhos e redondos do seu novo chefe, sentindo todo o fervor que as palavras “grande” e “cabeça” combinadas lhe causava deixou seu orgulho se esvair como em uma descarga. Respirou fundo, e da forma mais teatral que encontrou, se demitiu.

Ninguém o faria duvidar de sua beleza exótica.

4 comentários:

  1. Sempre tive pena dos seres que ficam dentro dessas fantasias...

    Prazer em conhecer aqui =)

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  2. me imaginei agora, sem trampo de tradutor e trabalhando dentro de uma girafa, com o orgulho ferido, q triste.... Q loja de carros usaria uma girafa como mascote? Vou TER q pensar nisso...

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  3. bom ... este texto me rendeu um desenho, heheheh ... estou eu aqui devolvendo um comentario do tipo invasão ... também gostei do seu post ... valew! até!

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  4. hauhauahahua
    depois que começo, não consigo parar de ler nenhum.
    putzzz.mto bom.
    vou te encher o saco durante anos até vc publicar seu livro, merece.
    bjos
    da sua prima linda

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