Chegou na festa já tropeçando na porta e atingindo um convidado. Se desculpou pela bebida derramada, e foi de encontro aos antigos amigos. Não reconheceu ninguém. Passou então, a observar a decoração.
Uma mesa comprida com baguetes em quatro sabores diferentes, e ao fundo uma faixa branca que dizia “Formandos – Turma de 89” em letras garrafais vermelhas. Pegou uma taça do garçom que passava e foi admirar o mural de fotos da formatura. O mural ocupava a parede por quase toda sua extensão. Milhares de fotos. Se achou em três. Uma sobreposto por uma mão, outra com as cinco turmas reunidas, e a última de fundo em uma foto de seis amigos que ele não lembrava de ter visto algum dia.
Sentia que não devia ter ido, afinal não via ninguém a 20 anos, e isso não mudara em nada sua vida. Mas a Dra. Helena, psicóloga, disse que seria um bom exercício para que se treinasse a paciência, e para que se abandonasse o excesso de sinceridade que seu chefe mandara tratar.
Os colegas o indicaram a psicanálise com o intuito de transformá-lo em alguém mais delicado. Menos direto. Sua resposta foi que, para que ele não fosse “rude”, como o chamavam, bastava que as perguntas a ele dirigidas fossem pertinentes.
Sentiu uma mão lhe cutucando as costas e se virou com o intuito de sorrir.
- Olá, você não é o João Paulo?
- Sou!
- ...
- Ana Maria?
- Não! Carla..!
- Claro!
- Quanto tempo! – A moça sorriu espontâneo.
- Pois é! – Ele sorriu amarelo pronto.
- E o que anda fazendo de bom? – Essa pergunta, por exemplo, não era pertinente. Era vaga, impessoal e não demonstrava real interesse. Mas ainda sorrindo amarelo respondeu:
- Trabalhando. Muito. – Se recusava a perguntar “e você?”, mas a hora da psicanálise lhe custava cem reais. Então mordeu os lábios relutante. - E você?
- Me formei, logo em seguida me casei e hoje cuido das crianças!
- Está satisfeita?
- Muito! Você se casou?
- Não, ainda não tive a oportunidade – Oportunidade que sinceramente ele dispensava. Se
acreditava muito melhor sozinho.
- Então não teve filhos?
- Não. – Outra pergunta incoerente. Trabalhando sua educação: - E você?
- Tive filhos maravilhosos! Dois. A Maria Alice, que hoje tem 9 anos, e o João Pedro, que hoje
tem 7.
- Que bom! - Se as pessoas daquela reunião se formaram a vinte anos, e o filho mais velho dela tinha 9, o que ela teria feito nos onze anos de intervalo?
- São uns amores! Quer ver uma foto?
- Não precisa. Quer vinho? – Não gostava de fotos de família. Ainda mais se a família não fosse dele. Talvez o que mais o irritasse fossem os sorrisos amarelos prontos.
- Parei de beber logo depois da formatura.
- Parou porque? – Talvez tivesse feito isso durante os onze anos. Parado de beber através de psicologia pesada. Pelo vago que se lembrava de Carla, a última vez que a vira antes da festa foi de sutiã na mesa dos professores na noite de formatura.
- O Jorge não gosta. Conhece o Jorge?
- Acho que não. – As sessões de psicologia lhe diziam que ele deveria perguntar pelo Jorge. E por cem reais perguntou: - Ele está por aqui?
- Sim! Vai ser um prazer para ele ! Jorge! Jorge! Venha cá. Ele te mostra uma foto dos dois!
- Sinceramente, não precisa.
Um homem com a coluna curvada de cansaço se aproximou segurando uma taça de vinho tinto. Bebeu três dedos de vinho em um gole só, e esticou a mão para cumprimentá-lo.
- Mostra uma foto dos meninos pra ele Jorge!
O homem pegou a carteira do bolso e tirou duas fotos de dentro da repartição de documentos. Estendeu a João Paulo, que com desprazer observou.
Ambas eram 3x4, todos ficam feios em fotos 3x4. Mas aqueles dois eram magicamente bonitos. A menina tinha sardas e era levemente ruiva, do tipo irritante e indecifrável. O garoto usava um cabelo provavelmente amassado pelo boné, e uma expressão de traquinas. Ambos com olhos redondos e cor mel.
- Não são umas graças? – A mulher sorriu.
Ele pensou no pessoal do trabalho, na psicóloga, e nos cem reais por sessão. Respirou e respondeu:
- Não.
Ele realmente não achava.
Virou de costas e pôs-se a procurar por fotos suas no fundo de fotos dos outros.
Olá, Jullia.
ResponderExcluirTrabalho na THS - Editora, editora gerenciada pelo jornalista e historiador Lelé Arantes. Recentemente, li uma nota no Diário da Região sobre sua crônica "Glote". Gostaríamos muito de tê-la em nosso mailing. Por gentileza, se possível, retorne o contato.
By the way - seus textos são muitos interessantes.
Meu e-mail é: flavialeticia.souza@hotmail.com
ResponderExcluirIa fazer um comentário, mas depois desses aí em cima me recuso.
ResponderExcluirOsvaldo
ResponderExcluirCaramba Jullllia...
não sabia que você escrevia tão bem assim...
juro que fiquei admirado e impressionado com seus textos.
Confesso que não li todos...
mas os 3 que eu li.. gostei muito...
Parabéns...
beijos