Quer ler o que?

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Formandos 89

Chegou na festa já tropeçando na porta e atingindo um convidado. Se desculpou pela bebida derramada, e foi de encontro aos antigos amigos. Não reconheceu ninguém. Passou então, a observar a decoração.

Uma mesa comprida com baguetes em quatro sabores diferentes, e ao fundo uma faixa branca que dizia “Formandos – Turma de 89” em letras garrafais vermelhas. Pegou uma taça do garçom que passava e foi admirar o mural de fotos da formatura. O mural ocupava a parede por quase toda sua extensão. Milhares de fotos. Se achou em três. Uma sobreposto por uma mão, outra com as cinco turmas reunidas, e a última de fundo em uma foto de seis amigos que ele não lembrava de ter visto algum dia.

Sentia que não devia ter ido, afinal não via ninguém a 20 anos, e isso não mudara em nada sua vida. Mas a Dra. Helena, psicóloga, disse que seria um bom exercício para que se treinasse a paciência, e para que se abandonasse o excesso de sinceridade que seu chefe mandara tratar.
Os colegas o indicaram a psicanálise com o intuito de transformá-lo em alguém mais delicado. Menos direto. Sua resposta foi que, para que ele não fosse “rude”, como o chamavam, bastava que as perguntas a ele dirigidas fossem pertinentes.

Sentiu uma mão lhe cutucando as costas e se virou com o intuito de sorrir.

- Olá, você não é o João Paulo?

- Sou!

- ...

- Ana Maria?

- Não! Carla..!

- Claro!

- Quanto tempo! – A moça sorriu espontâneo.

- Pois é! – Ele sorriu amarelo pronto.

- E o que anda fazendo de bom? – Essa pergunta, por exemplo, não era pertinente. Era vaga, impessoal e não demonstrava real interesse. Mas ainda sorrindo amarelo respondeu:

- Trabalhando. Muito. – Se recusava a perguntar “e você?”, mas a hora da psicanálise lhe custava cem reais. Então mordeu os lábios relutante. - E você?

- Me formei, logo em seguida me casei e hoje cuido das crianças!

- Está satisfeita?

- Muito! Você se casou?

- Não, ainda não tive a oportunidade – Oportunidade que sinceramente ele dispensava. Se
acreditava muito melhor sozinho.

- Então não teve filhos?

- Não. – Outra pergunta incoerente. Trabalhando sua educação: - E você?

- Tive filhos maravilhosos! Dois. A Maria Alice, que hoje tem 9 anos, e o João Pedro, que hoje
tem 7.

- Que bom! - Se as pessoas daquela reunião se formaram a vinte anos, e o filho mais velho dela tinha 9, o que ela teria feito nos onze anos de intervalo?

- São uns amores! Quer ver uma foto?

- Não precisa. Quer vinho? – Não gostava de fotos de família. Ainda mais se a família não fosse dele. Talvez o que mais o irritasse fossem os sorrisos amarelos prontos.

- Parei de beber logo depois da formatura.

- Parou porque? – Talvez tivesse feito isso durante os onze anos. Parado de beber através de psicologia pesada. Pelo vago que se lembrava de Carla, a última vez que a vira antes da festa foi de sutiã na mesa dos professores na noite de formatura.

- O Jorge não gosta. Conhece o Jorge?

- Acho que não. – As sessões de psicologia lhe diziam que ele deveria perguntar pelo Jorge. E por cem reais perguntou: - Ele está por aqui?

- Sim! Vai ser um prazer para ele ! Jorge! Jorge! Venha cá. Ele te mostra uma foto dos dois!

- Sinceramente, não precisa.

Um homem com a coluna curvada de cansaço se aproximou segurando uma taça de vinho tinto. Bebeu três dedos de vinho em um gole só, e esticou a mão para cumprimentá-lo.

- Mostra uma foto dos meninos pra ele Jorge!

O homem pegou a carteira do bolso e tirou duas fotos de dentro da repartição de documentos. Estendeu a João Paulo, que com desprazer observou.

Ambas eram 3x4, todos ficam feios em fotos 3x4. Mas aqueles dois eram magicamente bonitos. A menina tinha sardas e era levemente ruiva, do tipo irritante e indecifrável. O garoto usava um cabelo provavelmente amassado pelo boné, e uma expressão de traquinas. Ambos com olhos redondos e cor mel.

- Não são umas graças? – A mulher sorriu.

Ele pensou no pessoal do trabalho, na psicóloga, e nos cem reais por sessão. Respirou e respondeu:

- Não.

Ele realmente não achava.

Virou de costas e pôs-se a procurar por fotos suas no fundo de fotos dos outros.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Luzia

- Pedro! Pedro!

- Oi! Tudo bem?

- Tudo! É verdade que você ta namorando?

- É!

- Não acredito!

- Como você sabe?

- O pessoal tava comentando... e faz tempo?

- Ah.. uma duas semanas!

- Ai que lindo! E como ela é?

- Han.. morena, bonita, alta..

- Morena? Achei que você preferisse as loiras.

- Mas com ela é diferente. Um cabelo comprido. Lindo!

- Tipo até a cintura?

- É... tipo até a cintura.

- Ta gostando muito dela?

- Nossa, demais! Casaria com ela, até.

- Mas e se você não gostar mais dela até lá?

- Acho que vou gostar pra sempre!

- Pra sempre é muito tempo.

- Não o suficiente.

- Você não sabe nem se vai estar vivo amanhã.

- Larga a mão de ser pessimista!

- Não é pessimismo. É a realidade.

- Não vou discutir.

- Você nunca discute. Fala mais sobre ela!

- Ela quem?

- A namorada.

- Ah! Não tem como descrever!

- Ela é alta, né?

- É...

- Mais alta que você?

- Um pouco... na verdade, bastante.

- É inteligente?

- Olha, eu tenho que ir. Já estou atrasado e ainda tenho que passar pra ver minha namorada.

Caminhou até o ponto de ônibus da avenida principal e se sentou. Deu uma mordida no seu sanduíche e olhou pra cima. Viu na janela do segundo andar a menina morena e alta, de quem acreditava que iria gostar pra sempre.


"A primeira namorada. Tão alta,
que o beijo não a alcançava.
O pescoço não a alcançava.
Nem mesmo a voz a alcançava.
Eram quilômetros de silêncio.

Luzia na Janela do sobradão."

( Carlos Drummond de Andrade - Órion)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Senhor Girafa

Ele estava lá, no seu primeiro dia vestido de girafa, acenando para os carros que passavam na rua. Agradecia em todos os momentos pelo seu rosto estar coberto com TNT amarelo.

O calor era tão intenso que sentia gotas de suor escorrendo pelas costas, pelo rosto e pernas. Seu braço doía de tanto acenar e a cada carro que passava, pensava em se demitir. Não pediria demissão, não ia desistir tão fácil. Afinal, o que eram alguma gotas de suor?

Na semana anterior, quando recebeu a proposta de garoto propaganda, seu ego foi tanto que aceitou sem maiores detalhes. Afinal sua mãe sempre disse que ele tinha uma beleza exótica. Se imaginou sendo chamado em breve para a São Paulo Fashion Week, e sendo disputado por todas as companhias empreendedoras do país. Imaginou seu glorioso retorno a cidade natal no interior como o novo rostinho do Brasil, e seu pai se redimindo e dizendo que tinha razão de ter ido crescer profissionalmente na cidade grande. Podia ver seu rosto estampado em revistas internacionais, e sendo perseguido por vários fotógrafos. Só não imaginou que seu trabalho de modelo quase internacional envolvesse uma grande cabeça amarela e sorridente de papel machê.

Estava encharcado. Seu rosto grudava no papel, sentia que sua cabeça estava acoplada a da girafa. A pior parte, porém, eram os trenzinhos recheados de crianças uniformizadas, com algumas até penduradas na grade. Quando passavam por ele, as que não riam jogavam restos de lanche, ou gritavam “girafa cabeçuda”. Que chamassem de qualquer coisa, menos de cabeçudo. O tamanho de sua cabeça o infernizava desde a época em que ele passeava nos trenzinhos. Na adolescência, seu apelido era “testa”, ou “cabeça”. O que fazia com que duvidasse de sua beleza exótica. Mas sua mãe o garantiu de que era bonito.

A parte interior da cabeça de machê era justa e fazia com que a cartilagem de suas orelhas encostassem no lóbulo, deixando-o surdo e com orelhas de abano. O peso da cabeça o deixava sem equilíbrio, cambaleando a cada movimento. Sua visão era delimitada pelo sorriso da girafa, tendo assim uma visão frontal, e só. Toda sua visão lateral era preenchida por uma espuma amarelada que lhe causava alergia.

A vontade de pedir demissão era cada vez mais intensa, porém o orgulho era maior. Não se demitiria. Esperaria até ser demitido.

Um garoto passou por aquela rua 7 vezes, a cada vez que passava batia com toda sua força na cabeça amarela. Na sétima vez, ele já estava preparado dentro de sua fantasia, prometendo revidar todos os sete. Cumpriu.

O menino, que não esperava o surto da girafa, ficou sem reação. Tudo o que fazia era gritar. “A girafa cabeçuda está me atacando! Socorro! Perdão, Senhor Girafa! Perdão!”. A cada vez que ouvia as palavras “girafa“ e “cabeçudo”, sentia a adrenalina entregar mais força.

Sentiu uma mão puxar seu ombro com a mesma intensidade que batia no garoto. O dono da loja de carros, para quem trabalhava, o segurava com a ajuda de mais três funcionários.

Quando passou pela entrada espelhada da loja sendo carregado para a sala do gerente, concluiu:

Ficava ridículo de macacão, ainda mais com um círculo bege na barriga. Ficou esperando por cerca de quinze minutos sozinho girando na cadeira de rodinhas. A cabeça da girafa apoiada no colo, e pedaços de papel presos no rosto pelo suor.

O gerente entrou na sala, se sentou com as mãos apoiadas na barriga, e soltou um muxoxo.

Então, depois de uma longa expiração, disse para o rapaz ainda vermelho de raiva, que ele estava exaltado, e que ser garoto propaganda era uma função que exigia muita paciência. O que aparentemente ele não tinha.

O jovem usou todos os argumentos que tinha para se manter ali. Explicou que o garoto tinha batido na grande cabeça sete vezes, e que o sol do meio dia fazia-o parecer uma torneira. Disse também que precisava do dinheiro, que queria muito continuar como garoto propaganda. Contou dos trenzinhos escolares, detalhou os lanches que foram arremessados, e tinha mais meia hora de argumentos prontos. O chefe sorriu e o interrompeu, finalmente dizendo que ele deveria tentar mais uma vez no dia seguinte. A felicidade se instalou por todo o corpo do garoto, que sentia agora uma adrenalina muito diferente da que antes ele sentira. Até que o chefe complementou: “todos que vestiram a fantasia disseram que a cabeça da girafa ficava pensa, por ter um interior muito largo. Você deveria agradecer por ter uma cabeça deste tamanho”.

O garoto se Levantou, e enchendo a boca de prazer olhou para os olhos vermelhos e redondos do seu novo chefe, sentindo todo o fervor que as palavras “grande” e “cabeça” combinadas lhe causava deixou seu orgulho se esvair como em uma descarga. Respirou fundo, e da forma mais teatral que encontrou, se demitiu.

Ninguém o faria duvidar de sua beleza exótica.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Décimo sétimo andar.

Adorava assistir a cidade debruçada na janela do décimo sétimo andar de seu novo apartamento na Guanabara. O apartamento, ainda sem móveis, fora comprado com o fruto de vários anos de trabalho. Ligou o rádio, único na sala de três ambientes, e começou a ouvir Vinicius de Moraes.

Um dia teria uma coleção de discos de vinil.

Pensava em suas realizações, graduações, congressos, mestrado, doutorados, e tudo o que continha no seu currículo impecável. Era uma das poucas pessoas de sua idade com tantas especialidades. Iria casar e ter filhos assim que terminasse seu pós-doc. Queria filhos num condomínio arborizado, em uma casa sem muro, mas isso seria para quando estivesse estabilizada profissionalmente.

Decidiu abrir uma garrafa de vinho. E se sentou no parapeito para continuar a olhar a cidade que pulsava.

Pensou sobre a efemeridade da vida. Adorava essa palavra: “efêmero”. Sentia a boca encher quando pronunciada. A vida era efêmera, rápida. Mas ela acreditava ter vivido seu melhor até então. Seguindo sempre o lema de seu pai: “Primeiro trabalho, depois diversão”.

No futuro iria se aposentar e mudar para a praia, se sentia livre na água do mar.

Não entrava no mar desde a adolescência.

Queria fazer trilhas, nadar em cachoeiras, aprender a andar de bicicleta, e a jogar naco imobiliário com os filhos que um dia iria ter. Quando sua aposentadoria chegasse, queria tirar semanas para ficar deitada em uma rede e ler todos os livros do seu autor preferido. Esperava ansiosamente o tempo de trabalho passar, para que então pudesse ter tempo para si mesma.

Se orgulhava de seu sucesso profissional, se orgulhava de ter sido o futuro promissor da família, e de ter transformado sua empresa de advocacia em uma das maiores do Rio de Janeiro. Mas ainda assim queria as coisas simples. Encheu outra taça de vinho

Queria estar acompanhada na sua taça de vinho, e que fosse dormir acompanhada por alguém que lhe trouxesse café da manhã na cama no dia seguinte. Teria isso. Em breve, tudo dependia do tempo. Outra vez encheu sua taça de vinho.

Sua maior vontade era saltar de pára-quedas, queria sentir a força de um vento que levaria consigo o falso sorriso que usava estampado no trabalho. Abriria os braços e as pernas para aumentar a permanência no ar. Para que o vento a atingisse por inteira. Queria realmente sentir a liberdade. Faria uma tatuagem em homenagem aos filhos que um dia iria ter. Tomou outra taça de vinho, e caiu. Sentiu-se realmente livre. Por 17 andares.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

No supermecado.

- Oi filha, desculpa te ligar durante a aula.

- Não pai, eu já sai da sala. Diga.

- É que eu to no supermercado, na seção de absorvente, e queria saber qual que voce quer. Se é o azul e verde, ou o azul e roxo.

- É o laranja. Da Always.

- Tem um que chama Sempre Livre.

- Always, pai. O único que deve ser laranja.

- De repente é tudo laranja. Always não é sempre em inglês?

- É.

- Então! Sempre Livre e Always! É igual.

- Não é a mesma marca.

- As vezes é pra estrangeiro.

- Não, nesse caso não é.

- Tem certeza?

- Sim.

- Tem um Sym.

- Então pronto! Pega dois pacotes.

- Não, a marca chama Sym.

- Sim?

- É. Mas é com ypsolon.

- Não, pai, Sym não.

- Sim.

- Não!

- Não, agora eu tava concordando. Achei a parte do Always, e achei o laranja.

- Lê o que está escrito no pacote, pra eu ver se é esse mesmo.

- Always, básico. Suave como algodão acetinado, Suave..

- Pai , esse é o amarelo.

- Como voce sabe?

- O laranja tem malha seca.

- Não é tudo igual?

- Não, pai, é diferente.

- Por isso que muda a cor?

- É, pai. Achou o laranja?

- Marina, não existe laranja. Eu vou pegar o amarelo não serve?

- Não, pai!

- Já tá me irritando, Marina! Depois você vem comprar sozinha.

- Pai! Você já tá ai! Pega o laranja da Always!

- Porque voce não vem você!?

- Se chama Lei do Mínimo Esforço.

- Se chama comodismo , Marina!

- Pede ajuda pra moça que usa a blusa do "Posso te ajudar?"

- Vou pedir. Espera na linha.


- E ai?

- Só tinha um moço com a camiseta do "Posso te ajudar?".

- E ai? Ele achou?

- Ele não tinha a menor noção do que eu estave pedindo.

- E então?

- Foi chamar a gerente, porque ela é mulher.

- Que vergonha, pai!

- Eu que o diga , Marina, eu que o diga. Que escândalo por uma coisa tão superficial!

- Não é você que usa!

- Justamente! Consequentemente, não deveria ser eu quem compra!

- Você tá gritando comigo a toa!

- Você também!

- Você devia tomar floral.

- Você devia comprar seus próprios absorventes!

- Abandona a causa então! Vai embora, e depois me deixa sentada na palha!

- O que tem a ver a palha com o absorvente!?

- As mulheres antigamente, quando não tinha absorvente, ficavam sentadas na palha.

- Uma semana?

- Enquanto durasse, ué.

- Espera que a gerente chegou.


- E ai? A moça voltou?

- Tá vindo.

- De patins?

- Não, de roller.

- Patins é roller.

- Não é não.

- É sim.

- Eu andei de roller minha vida inteira.

- Então qual a diferença?

- Roller são 4 rodas uma atrás da outra, e patins são 4 rodas duas a duas.

- han... faz sentido.

- Chegou o absorvente. Tem um pacote só.

- Tudo bem. Obrigada.

- Beijos.

- Boa aula.


- Pai? desculpa ligar de novo... mas você viu se é com abas?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Pimentinha.

- Alô?

- Oi Ana! É a Keka, tudo bem?

- Tudo e ai?

- Tudo bem, também. Você tá muito ocupada ou pode falar?

- To um pouco ocupada sim, é rapido? Se não eu te ligo quando sair do escritório...

- Não, é meio rápido sim. Na verdade queria pedir sua opnião. É sobre a Pimentinha.

- Tua gata?

- É. Eu acho que ela é muda.

- Muda? Existe gata muda?

- Não sei, deve existir. Existe gata cega.

- Procura no Google.

- Será que tem?

- Outro dia eu procurei sobre fibras da batata, e tinha todo um mestrado sobre.

- Fibras da batata? Que ser humano normal faz um mestrado sobre fibras da batata?

- John Finningham era o nome do cara. Keka, depois te ligo que vou terminar uns selos.

- Ok, passa aqui antes de ir pra casa. Acho mesmo que a Pimentinha é muda.

- Tá. Beijos

- Me liga!



- Porque você acha que ela é muda?

- Ela não mia!

- Claro que mia! Todo gato mia!

- Gato só mia quando tá com fome.

- Onde voce viu isso?

- No Google, hoje de manhã.

- Tenta deixar ela com fome, ué.

- É maldade!

- É. Qual o problema de ela ser muda?

- Comprei uma gata pra ouvir o miado.

- Estranho.

- A gata não miar?

- Não, você comprar uma gata pra ouvir um miado.

- Acho que vou levar ela no veterinário.

- Acho que você devia deixar ela com fome.

- Quanto tempo?

- Uns dois dias.

- Quer um café?

- Han... sim.

- Açúcar ou adoçante?

- Adoçante. E se você comprasse um passarinho?

- Passarinho não mia.

- Mas canta.

- É, ia ser bacana.

- Compra um periquito!

- Ou uma calopsita!



- Alô?

- A calopsita canta.

- Eu disse!

- Mas ainda quero um gato que mie.

- Deixa a Pimentinha com fome!

- Eu tenho dó.

- Mas são só dois dias, e além do mais, ela tá meio gordinha mesmo.

- Vou pensar. Depois te ligo.

- Beijos.



- Alô?

- A calopsita morreu!

- E agora!?

- Agora não tem nem canto, nem miado.

- Desiste e compra um CD.

- De canto de calopsita?

- Não! De miado de gata.

- Existe?

- Procura no Google.

- Vou procurar.

- Mas, o que aconteceu?

- Segui o seu conselho.

- Qual dos?

- Deixei a pimentinha com fome.

domingo, 3 de maio de 2009

Ciso.

- Doutora, dói quanto pra extrair os dentes?

- Com a anestesia não dói nada. É rápido.

- E a anestesia? dói quanto pra ser aplicada?

- Dói pouco, uma picadinha.

- Tipo de pernilongo?

- Abre a boca e fala "a".

- A.

-Hoje a gente tira dois, ai daqui umas três semanas a gente tira o resto, tudo bem?

- Ahã.

- Pode fechar a boca enquanto eu esterilizo o material. E fica tranquila que a operação é super simples.

- Tá. Você se importa se eu ficar de olhos fechados durante a operação? Não quero ver os instrumentos e tal.

- Até pode, mas os aparelhos não são assustadores.

- Nada contra a senhora, mas tenho um trauma de dentistas. Só de ver essa cama que sobe e desce, me vem a mente torturas medievais.

- Eu vou fazer a operação de forma calma. pode relaxar. Primeiro eu vou pegar esse bisturi e fazer um corte na gengiva, até chegar bem perto de dente..

- Sério, não quero maiores detalhes. Você tem grande experiência com extrações?

- Abre a boca de novo.


- Meire, pega o alicate maior pra mim?

- Tá esterilizando, Doutora?

- Tá em cima da mesa.

- Já tá esterilizado?

- Deve estar.

- Tehn cerntehza?

- Não mexe a boca. Senão, eu acabo te machucando.

- Esse é dos grandes mesmo.

- É, e o pior é que tá quase de ponta cabeça. Não tem apoio pra puxar o dente.

- Meu Deus, Doutora. Vai arrancar a arcada dentária da menina!

- Vou tentar com o alicate maior agora. Se doer você avisa. Mas não vai doer, porque tá anestesiado.

- Pode sugar a boca, Doutora?

- Pode e me empresta a broca que eu tive uma idéia. Agora esse gigante sai! Quando disser "já" eu puxo.

- Vai devagar, Doutora.

- Quieta Meire. Já!


- Saiu?

- Ainda não, Meire. Esse ciso está levando para o lado pessoal! Testando minha capacidade como profissional. Vamos tentar de novo, fazendo uma alavanca.

- (Abro os olhos. Consigo ver olhos de prazer, ela se deleita com a minha extração. As pupilas estão dilatadas! Pára com isso! Pára!) Ta hoehndo ! Ta hoehndo! (Os olhos dilataram mais!)

- Só um minutinho, que agora é crucial. A gente já anestesia de novo. Deixa só eu colocar aqui e agora me empresta a broca!

- Calma, Doutora!

- Pega o.. o.. que parece um martelo e suga o excesso da boca.

- Pego Doutora, mas cuidado com a boca da menina!

- Ta hoenndo!

- Obrigada! Me passa o alicate!

- Doutora, não ensinaram isso na faculdade! Meu Deus! Não posso olhar!

- Pega gaze! gaze!

- Ta hoehndo ahindha!

- Pega a injeção da anestesia.

- Que dose que prepara, Doutora?

- A menor, se não o próximo fica sem anestesia.

- Ai, valha me Deus Doutora!

- Verifica se a porta tá trancada!

- Pra quê, Doutora!? A senhora acha que a menina não aguenta!? Imagina se alguém acha o corpo!

- Não, Meire! Não fala bobagem! Preciso de um apoio pra poder puxar aqui.

- Oque que a senhora pretende!?

- Dar impulso! você me desculpa por a perna por cima de você, garota, prometo não sujar sua roupa com o sapato.

- Doutora, é uma extração, não uma acrobacia!

- Vou puxar no três!

- Ta hoehndo ! Ta hoehndo nuinto!

- Um... Meire, não se abaixa!

- Desculpa, Doutora.

- Dois... Suga o excesso da boca! e TRÊS!

- UTAH QUE PFAHRIU!



- Como assim, Doutora?

- Nós vamos marcar um retorno.

- Mas a senhora apoiou o pé na porta!

- Querida, aquilo foi método odontológico. É super valorizado nas melhores universidades.

- Não foi o que a Meire disse.

- Por isso que ela é a assistente, e eu sou a dentista.

- Doutora eu não vou voltar.

- Foi porque eu deixei uma pegada na sua blusa?

- Não, Doutora, mas eu não vou voltar.

- Mas o dente não saiu!