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terça-feira, 19 de maio de 2009

Décimo sétimo andar.

Adorava assistir a cidade debruçada na janela do décimo sétimo andar de seu novo apartamento na Guanabara. O apartamento, ainda sem móveis, fora comprado com o fruto de vários anos de trabalho. Ligou o rádio, único na sala de três ambientes, e começou a ouvir Vinicius de Moraes.

Um dia teria uma coleção de discos de vinil.

Pensava em suas realizações, graduações, congressos, mestrado, doutorados, e tudo o que continha no seu currículo impecável. Era uma das poucas pessoas de sua idade com tantas especialidades. Iria casar e ter filhos assim que terminasse seu pós-doc. Queria filhos num condomínio arborizado, em uma casa sem muro, mas isso seria para quando estivesse estabilizada profissionalmente.

Decidiu abrir uma garrafa de vinho. E se sentou no parapeito para continuar a olhar a cidade que pulsava.

Pensou sobre a efemeridade da vida. Adorava essa palavra: “efêmero”. Sentia a boca encher quando pronunciada. A vida era efêmera, rápida. Mas ela acreditava ter vivido seu melhor até então. Seguindo sempre o lema de seu pai: “Primeiro trabalho, depois diversão”.

No futuro iria se aposentar e mudar para a praia, se sentia livre na água do mar.

Não entrava no mar desde a adolescência.

Queria fazer trilhas, nadar em cachoeiras, aprender a andar de bicicleta, e a jogar naco imobiliário com os filhos que um dia iria ter. Quando sua aposentadoria chegasse, queria tirar semanas para ficar deitada em uma rede e ler todos os livros do seu autor preferido. Esperava ansiosamente o tempo de trabalho passar, para que então pudesse ter tempo para si mesma.

Se orgulhava de seu sucesso profissional, se orgulhava de ter sido o futuro promissor da família, e de ter transformado sua empresa de advocacia em uma das maiores do Rio de Janeiro. Mas ainda assim queria as coisas simples. Encheu outra taça de vinho

Queria estar acompanhada na sua taça de vinho, e que fosse dormir acompanhada por alguém que lhe trouxesse café da manhã na cama no dia seguinte. Teria isso. Em breve, tudo dependia do tempo. Outra vez encheu sua taça de vinho.

Sua maior vontade era saltar de pára-quedas, queria sentir a força de um vento que levaria consigo o falso sorriso que usava estampado no trabalho. Abriria os braços e as pernas para aumentar a permanência no ar. Para que o vento a atingisse por inteira. Queria realmente sentir a liberdade. Faria uma tatuagem em homenagem aos filhos que um dia iria ter. Tomou outra taça de vinho, e caiu. Sentiu-se realmente livre. Por 17 andares.

3 comentários:

  1. Ow, curto muito seus textos.... pago pau mesmo !!!!

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  2. é acho que não só parece....não conhecia esta Julia.muito bom beijos

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  3. Julieta!
    Primeiro tenho que falar: mto bom. sem noção.
    mas promete que o próximo vai ser alegre???rs

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